Ciro Gomes: Brasil deve recusar status de exportador de produtos primários
O ex-ministro e os professores Ado Jorio e Clelio Campolina defenderam investimentos em ciência para alterar o perfil produtivo do país
Em mesa-redonda realizada na manhã de hoje, no CAD1, sobre CT&I na universidade pública, o ex-ministro e ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, criticou a especialização produtiva na qual o Brasil é enquadrado pelo que chamou de “centro dinâmico da economia global”. “Somos uma grande fazenda produtora de proteínas vegetais e animais e um grande buraco de onde se extrai minérios in natura para fazer insumo barato para as nações desenvolvidas. É uma ilusão aceitar isso”, disse.
O ex-ministro da Fazenda (1994-1995) e da Integração Nacional (2003-2006) destacou que o investimento em pesquisa e inovação deveria ser priorizado para posicionar o Brasil como referência na indústria de produtos manufaturados. “Todos os celulares que existem no país foram produzidos no exterior. Na fabricação de carros, a mecatrônica, a eletrônica e a informática embarcadas, a suspensão inteligente e outras tecnologias vêm de fora do país. Isso é um drama porque o modo moderno de consumo não é pago com produtos primários – a conta não fecha”, exemplificou.
O ex-candidato à presidência pelo PDT dividiu a mesa com dois professores da Casa: o físico Ado Jorio de Vasconcelos e o economista Clélio Campolina Diniz, ex-reitor da UFMG e ex-ministro da Ciência e Tecnologia.
Ado Jorio, do Departamento de Física, chamou a atenção para o fato de que, desde a virada do século, toda a industrialização e produção de bens tem-se movido para a nanotecnologia. “Ela transpassa a física, a química e a biologia, entra nas engenharias e em todas as áreas biomédicas como forma inovadora de fazer tecnologia”, salientou o docente. Segundo Ado Jorio, o crescimento do setor de C&T foi responsável por um significativo salto do Brasil em diversos contextos. “Na década de 1950, nossa produção científica era irrelevante. No anos 2000, já cabia aos brasileiros 2,7 % da produção científica mundial. O Brasil chegou a ser o 13º produtor global de C&T”, informou.
O professor mencionou índices que ilustram o crescimento brasileiro no campo da pesquisa. De acordo com Ado Jorio, havia no Brasil, em 1993, apenas 99 institutos de pesquisa. Em 2014, esse número subiu para 492. No mesmo período, os grupos de pesquisas aumentaram de quatro mil para 35 mil. O número de doutores, por sua vez, cresceu de 11 mil para 116 mil. “Ainda assim, importamos, em geral, todos os itens de alta densidade tecnológica. Nossa balança comercial só é favorável em itens de baixa qualidade tecnológica, como os oriundos da agropecuária e da exploração mineral", comentou.
A serviço da humanidade
Reitor da UFMG de 2010 a 2014, o professor e economista Clélio Campolina Diniz analisou o atual esforço empreendido pelos Estados Unidos para se reindustrializar e a vantagem da China e de outros países da Ásia nesse cenário. “Os EUA e a Europa 'acordaram tarde' diante da corrida asiática. Desde a gestão de Barack Obama, os americanos criaram 14 institutos de tecnologia – oito deles ligados ao Departamento de Defesa. O paradigma americano é fazer armas. Sou crítico a isso porque creio que C&T têm que estar a serviço da humanidade, não só do mercado”, observou.
Campolina arrolou dados sobre o desenvolvimento asiático que, segundo ele, tem sido alavancado pelo investimento maciço em C&T. “Em 2000, cabia aos EUA 24% da produção manufatureira mundial. Em 2017, esse índice caiu para 16%. No mesmo período, a China aumentou sua produção de 7% para 27% da global. É a atual máquina industrial do mundo”, destacou.
De acordo com o economista, somente depois da Segunda Guerra Mundial, o Brasil passou a criar instituições governamentais de apoio à C&T, que geraram “grandes exemplos de sucesso”. “Nosso sistema energético, a Embrapa e a Petrobrás, que lidera as pesquisas em águas profundas, impressionam o mundo”, enumerou.
A participação das ciências humanas nesse contexto também foi destacada pelo ex-reitor. “O desenvolvimento científico traz riscos. A inteligência artificial e a engenharia genética, por exemplo, devem ser objetos de constante reflexão. Por isso, filósofos, sociólogos e economistas devem analisar as dimensões da C&T que extrapolam o laboratório", argumentou.
Trajetórias
Ciro Gomes foi professor de direito tributário e direito constitucional no Brasil e atuou como professor visitante na Harvard Law School, com carreira acadêmica paralela à trajetória política. Foi prefeito de Fortaleza, governador do Ceará, deputado federal, ministro da Fazenda e ministro da Integração Nacional, além de candidato à presidência da República em diferentes ocasiões. Também atuou em posições de alta gestão no setor privado industrial brasileiro.
Ado Jorio de Vasconcelos é professor no Departamento de Física da UFMG. Na Universidade, foi diretor da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) de 2010 a 2012, chefe do Departamento de Física de 2015 a 2016 e pró-reitor de Pesquisa de 2016 a 2018. Em 2016, ele foi incluído na lista dos Highly Cited Researchers (pesquisadores mais influentes) da Thomson Reuters. Atualmente, trabalha com pesquisa e desenvolvimento de instrumentação científica em óptica para o estudo de nanoestruturas com aplicações em novos materiais e biomedicina.
Clélio Campolina Diniz é engenheiro mecânico e engenheiro de operação, mestre e doutor em ciências econômicas. Foi diretor da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), da qual é professor emérito, diretor-presidente do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BHTEC), reitor da UFMG na gestão 2010-2014 e ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil em 2014. Ocupou cargos na Capes e na Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig). Seus estudos estão concentrados em economia regional, desenvolvimento econômico, economia da tecnologia, economia brasileira e economia de Minas Gerais.