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Pesquisadores da UFMG lançam força-tarefa de divulgação científica sobre o coronavírus

Iniciativa visa oferecer informações qualificadas e certificadas sobre a pandemia e contribuir com a mobilização social em favor de boas práticas

Micrografia eletrônica de varredura colorida de uma célula apoptótica (vermelha) fortemente infectada com partículas do vírus SARS-COV-2 (amarela), isoladas de uma amostra de paciente
Micrografia eletrônica de varredura colorida de uma célula apoptótica (em vermelho) fortemente infectada com partículas do coronavírus (em amarelo) isoladas de uma amostra de paciente NIAID Integrated Research Facility (IRF) / Fotos Públicas / CC BY-NC 2.0

Com o intuito de fornecer informações confiáveis e, sobretudo, compreensíveis para o público sobre a pandemia, pesquisadores da UFMG criaram a Força-tarefa Amerek de combate ao coronavírus, iniciativa de divulgação científica que já conta com a colaboração de pesquisadores, jornalistas e comunicólogos de várias instituições do Brasil, assim como de outros países, como a Itália.

“A ideia da força-tarefa é ser um porto seguro de informações qualificadas, certificadas e, sobretudo, claras, capazes de resultar em consequências práticas na vida das pessoas: pretendemos oferecer informações concretas e aplicáveis à realidade de cada um”, explica o físico e sociólogo Yurij Castelfranchi, um dos coordenadores da iniciativa. 

“O nosso objetivo não é apenas oferecer informação de qualidade e esclarecer, mas efetivamente contribuir com a mobilização social. A força-tarefa deve ser um espaço de trocas de experiências e de ideias, em que as pessoas possam pensar sobre o que podemos fazer juntos em termos de solidariedade social e de ajuda mútua”, completa Castelfranchi, que é professor do Departamento de Sociologia da Fafich.

Castelfranchi compartilha a coordenação do trabalho com o biólogo Roberto Mitsuo Takata, professor visitante na UFMG, e atua na Formação Transversal em Divulgação Científica, que é vinculada à Diretoria de Divulgação Científica (DDC) da Universidade. O coletivo também conta com um comitê técnico-científico composto de especialistas de áreas diversas da UFMG e de outras instituições, que vêm atuando na atual crise sanitária e epidemiológica mundial. A ideia é que os profissionais desse comitê técnico-científico colaborem sobretudo no processo de certificação da qualidade das informações produzidas e adaptadas pela força-tarefa.

Também integram o coletivo, em regime de voluntariado, os alunos e vários dos docentes do curso de especialização em Comunicação Pública da Ciência da UFMG, que é oferecido pelo Departamento de Sociologia, em parceria com a DDC e tem como codinome a mesma palavra que nomeia a força-tarefa, Amerek. Criado no fim do ano passado, o curso – que conta com o apoio do Instituto Serrapilheira – teria as aulas da sua primeira turma iniciadas justamente no último mês de março, quando seus organizadores foram surpreendidos com a crise sanitária mundial.

A ideia da força-tarefa surgiu justamente aí, quando professores e alunos descobriram que, em razão da pandemia, não teriam como dar andamento ao curso neste semestre. Decidiram, então, canalizar o entusiasmo inicial com a divulgação científica para uma iniciativa que pudesse fazer frente à avalanche de desinformação que tem assolado o mundo.

“No grupo do curso, temos desde jovens cientistas, recém-formados em suas áreas, até jovens professores associados e titulares de várias universidades, que decidiram voltar à sala de aula para aprender a divulgar. Do mesmo modo, contamos com jornalistas recém-formados e comunicadores experimentados de várias mídias, além dos responsáveis pela comunicação de importantes instituições científicas, como a Fiocruz, a Fapemig e a própria UFMG. É um grupo sensacional, com alunos vindos de diferentes instituições e lugares do Brasil, com competências incrivelmente transdisciplinares”, explica Castelfranchi. Ele acrescenta: “Nessa força-tarefa, várias pessoas, da academia e do mercado, de diferentes formações e expertises, vão dedicar, voluntariamente, parte do seu tempo de trabalho para mapear, filtrar e checar a informação relevante produzida em várias fontes confiáveis para decidir o que reproduzir, o que adaptar, e a partir disso, construir novos conteúdos”.

Grupos de trabalho
A força-tarefa divide-se em grupos de trabalho. Um deles mapeia, filtra e seleciona informações de qualidade certificada e com linguagem adaptada para o grande público que já estejam circulando, para que elas possam ser reproduzidas nas redes sociais. 

Outro grupo produz e adapta conteúdos. “O que detectamos é que até há bons divulgadores da ciência atuando on-line, mas seu público é principalmente de escolaridade média ou alta e situado em cidades de médio ou grande porte. Nesse sentido, o que pretendemos com esse segunda frente é produzir conteúdos específicos para grupos sociais que não vêm sendo alcançados de maneira adequada por esses divulgadores, como os indígenas, comunidades das áreas rurais e moradores das periferias e favelas”, exemplifica Castelfranchi.

Com foco na mobilização social, um terceiro grupo está trabalhando na construção de um repositório de ações e experiências coletivas e positivas de enfrentamento do coronavírus que tiveram sucesso no Brasil e no mundo. Há também uma equipe atuando na adaptação e reconstrução dos infográficos usados para destacar, por exemplo, a importância de se “achatar a curva” da quantidade simultânea de infectados no país, para não sobrecarregar os sistemas de saúde. “Percebemos que esses gráficos são incompreensíveis para uma boa parte da população, até mesmo para algumas pessoas com escolaridade alta”, explica Castelfranchi.

Yurij Castelfranchi:
Castelfranchi: defender a ciência é salvaguardar a democraciaRaíssa César / UFMG

Entrevista / Yurij Castelfranchi

'Não se combate fake news apenas com alfabetização informacional'

Qual é o papel da ciência, dos cientistas e dos intelectuais em um momento como este?
É uma responsabilidade imperiosa para os cientistas e intelectuais produzir e veicular informação certificada e contribuir com ferramentas para a mobilização social. Isso está no cruzamento das ciências humanas com as demais ciências. Não se sai de uma pandemia sem instrumentos de saúde pública, sem as ciências da vida, mas também não se sai sem psicologia, sem comunicação, sem ciência política, sem sociologia, sem antropologia. Essa é a troca transdisciplinar que o Amerek pretende fazer. Temos a responsabilidade moral e política de tentar viabilizá-la.

Quais os principais desafios enfrentados por cientistas e divulgadores científicos?
Encontrar formas de diminuir os ruídos nas redes, entrar nos fluxos que mais viralizam, furar as bolhas, algo que a comunicação institucional [das universidades e demais instituições de ciência] não tem conseguido fazer – e que os divulgadores e influencers digitais conseguem, em alguma medida, levar adiante, mas apenas com públicos mais específicos, muitas vezes com escolaridade mais alta e residentes nas cidades. O desafio é penetrar nos grupos de WhatsApp das famílias, nas redes pessoais. No Amerek, estamos desenvolvendo estratégias e uma linguagem adequada para isso, que não pode ser a da comunicação institucional: precisa ser uma comunicação voltada para a divulgação científica e a apropriação social.

O senhor vem se dedicando há algum tempo ao estudo do fenômeno da pós-verdade. Por que o combate às fake news tem falhado?
Muitas pessoas defendem que as fake news se propagam no ritmo atual porque muitas pessoas são “analfabetas tecnológicas”, porque “a alfabetização informacional é muito baixa” ou, ainda, por causa de um “analfabetismo científico” e dos movimentos anticiência. As pesquisas têm evidenciado que é necessário, de fato, fortalecer a competência informacional, mas isso é insuficiente para responder satisfatoriamente aos problemas das fake news e da desinformação. O que nos faz reproduzir conteúdos são os nossos posicionamentos políticos, os objetivos, as crenças e os valores pessoais, e, nesse sentido, a alta escolaridade não nos torna automaticamente imunes às fake news. Tenho monitorado grupos de cientistas, por exemplo, e visto bastante desinformação circular também entre eles. É preciso entender que a questão da desinformação, das fake news, está muito mais ligada a movimentos concretos e estruturados de ataque a pilares da democracia. Nesse sentido, não se trata apenas de fazer uma campanha pela literacia [capacidade de perceber e interpretar o que é lido] informacional. Apenas a alfabetização informacional não é capaz de resolver o problema.

Como funciona esse ataque à democracia?
Há grupos organizados que tentam construir a desconfiança, destruir os mecanismos de credibilidade institucional e de autoridade cultural dos sistemas estruturantes das democracias – em particular, o sistema de comunicação, o jornalismo e o sistema político da democracia. Os ataques ao Judiciário e aos jornalistas também são parte do que chamamos de ataque à democracia. Isso é parte de algo maior, um grande momento de crise que alguns chamam de “neopopulismo digital”, cuja tática principal é construir desconfiança e dúvida a respeito do funcionamento da democracia e um sentimento de alarme e pânico moral, que contribui para o ódio e a polarização.

Como analisa especificamente a ofensiva contra a ciência?
Quando a ciência está sob ataque, é um pedaço da democracia que está sob ataque, o funcionamento da ideia de democracia está sob ataque. Enfim, está ameaçada a ideia de que a controvérsia se resolve por meio da argumentação coletiva, do debate racional, da escuta, da discussão e da deliberação. É isso que está sendo diretamente atacado. Nosso papel é atuar como intelectuais críticos, isto é, mostrar a importância da argumentação, do debate, da discussão baseada em fatos, em evidências – não só para defender a ciência e sua própria autoridade cultural, sua confiabilidade, mas para salvaguardar a democracia.

Há um movimento anticiência em curso?
Ao meu ver, os colegas que falam de um movimento mundial anticiência estão lançando um olhar um pouco simplista para a situação. As pesquisas mostram que a confiança da população nos cientistas e nas universidades é ainda altíssima, particularmente no Brasil. Sim, os ataques existem, mas não são à ciência como um todo, que ainda goza de notável autoridade cultural, mas a afirmações, enunciados, posicionamentos específicos do campo científico que entram em desacordo com determinados objetivos políticos ou crenças e valores de pessoas. Há grupos que negam a realidade das mudanças climáticas por causa antrópica, por exemplo, e que fazem isso principalmente em virtude de seu posicionamento político; há outros que negam a teoria da evolução, e o fazem por razões religiosas. Contudo, eles não são facetas de um único grande movimento anticiência: as coisas não estão relacionadas em uma grande onda de irracionalidade anticientífica, como alguns acreditam. Minhas pesquisas indicam que as crenças em algumas dessas formas de negacionismo “imunizam” as pessoas contra outras formas de negacionismo.

Os conteúdos da força-tarefa Amerek de combate ao coronavírus podem ser acompanhados em seus perfis nas redes sociais: YouTube, Facebook, Twitter e Instagram.

Neste vídeo produzido pelo grupo, o biólogo Hugo Fernandes fala sobre os cenários de contaminação para o Brasil:

Ewerton Martins Ribeiro