Internacional

Secretários de Argentina, Brasil e Chile discutem rumos da educação superior na região

Sem se afastarem da luta contra a desigualdade, universidades precisam apostar em uma visão de desenvolvimento integral, propõem dirigentes na primeira mesa do seminário da AUGM

Discussão preparatória para a CRES+5 reuniu representantes de Argentina, Brasil e Chile
Discussão preparatória para a CRES+5 reuniu representantes de Argentina, Brasil e Chile Foto: Foca Lisboa | UFMG

O ensino superior na América Latina tem uma forte marca: não pode ser dissociado da busca por mobilidade social e da superação da pobreza. Ainda assim, é necessária, nos países que compõem essa parte extensa do continente americano, a perspectiva de fomentar instituições de ensino superior que invistam em pesquisa, focadas numa visão de desenvolvimento integral. Essas ideias perpassaram as falas dos participantes da mesa Rumo à CRES+5: Universidade e políticas de Estado, que abriu o seminário Universidade – Sociedade – Estado: Rumo à CRES+5: Desenvolvimento social, integração regional e o papel das universidades, na manhã desta segunda-feira, 5 de junho, na UFMG. 

Evento promovido pela Associação de Universidades do Grupo Montevidéu (AUGM), o seminário segue com mesas ao longo do dia, no auditório da Reitoria, no campus Pampulha. A discussão que abriu o evento teve foco em experiências de países sul-americanos: além do Brasil, representado pela secretária de Educação Superior do Ministério da Educação, Denise Pires de Carvalho, foram abordados casos da Argentina e do Chile, países representados, respectivamente, por Oscar Alpa, secretário de Políticas Universitárias, e Victor Orellana, subsecretário de Educação Superior. Também contribuiu para as discussões Francesc Pedró, diretor do Instituto Internacional da Unesco para a Educação Superior na América Latina e Caribe (Iesalc), instituição promotora da Conferência regional de educação superior (CRES+5), que será realizada de 13 a 15 de março de 2024, em Brasília.

Foto: Foca Lisboa | UFMG
Sandra Goulart: valores importantesFoto: Foca Lisboa | UFMG

Responsável pela coordenação da mesa, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida destacou a satisfação de sediar, na UFMG, um dos eventos preparatórios para a próxima CRES+5. “Ao longo do dia, teremos importantes conferências, para sinalizar valores que são extremamente importantes para as nossas instituições. É um prazer sediar este evento, o primeiro dos muitos debates preparatórios que teremos até chegarmos à conferência, em Brasília, no ano que vem. E o primeiro evento em que reunimos os secretários de educação superior de Brasil, Argentina e Chile”, celebrou.

Francesc Pedró, diretor do Iesalc, instituição organizadora da CRES+5, agradeceu o apoio das autoridades para a preparação da conferência. “Os debates de hoje são uma oportunidade magnífica para decidir quais as prioridades que devem se impor na agenda dos governos latino-americanos para a educação superior nos próximos anos”, afirmou. “A agenda da Unesco é totalmente aberta, e nosso único interesse é servir como plataforma para que essas discussões tenham lugar”, completou.

Frances Pedró: conceito latino-americano de universidade
Francesc Pedró: conceito latino-americano de universidade Foto: Foca Lisboa | UFMG

Questões sem resposta
Segundo Pedró, o tema da mesa, a relação entre universidades e políticas de Estado, “inaugura uma série de perguntas para as quais nós, do Iesalc, não temos resposta”. Para ele, a primeira questão que deve ser formulada é “se há um conceito latino-americano de universidade que seja genuinamente diferente do conceito predominante em escala internacional”, uma vez que, quando se examina a realidade da América Latina, percebe-se uma “escolarização da educação superior”.

“A perspectiva que parece caracterizar o mundo latino-americano é a que considera que a educação superior é fundamentalmente educação. Das 13 mil a 14 mil instituições que se autodenominam de ensino superior na América Latina, é possível que cerca de 10% possam, do ponto de vista internacional, ser denominadas universidades. A diferença fundamental está no volume de atividades e de recursos que são dedicados à pesquisa”, afirmou Pedró.

Denise Carvalho: necessidade de expansão da rede federal de universidades
Denise: necessidade de expansão da rede federal de universidades Foto: Foca Lisboa | UFMG

Ensino e ascensão social
No Brasil, a relação entre o acesso ao ensino superior e a ascensão social é bastante evidente. Foi o que destacou, em sua fala, Denise Carvalho, secretária de Educação Superior do Ministério da Educação brasileiro, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em 2017. À época, mais da metade das pessoas que recebiam mais de dois salários mínimos, valor ainda incipiente, declaravam ter alguma graduação. 

“Isso mostra que nosso desafio é enorme, principalmente porque há uma relação muito estreita entre a educação superior e o salário das pessoas. No nosso país, um dos fatores que proporcionam mais mobilidade social é o acesso e a permanência na educação superior. Por meio dela, podemos promover mobilidade e, assim, diminuir a desigualdade e a pobreza”, afirmou.

Sustentada em dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – organismo intergovernamental com 38 países membros, fundado em 1961 para estimular o progresso econômico e o comércio mundial –, Denise Carvalho demonstrou a necessidade de o Brasil seguir expandindo sua rede de universidades federais, com foco também nos programas de pós-graduação (PPGs).

“Apesar de a produção científica brasileira hoje ocorrer majoritariamente no setor público, o nosso número de matrículas no ensino superior não deixa o país nem perto da média da OCDE. Essa média para pessoas de 55 a 64 anos é hoje de 30%. No Brasil, apenas 15% das pessoas nessa faixa etária têm formação superior. Entre os jovens de 25 a 34 anos, o índice da OCDE é de 47%. No Brasil, são 23%”, detalhou.

Setor público x iniciativa privada
Entre 2002 e 2023, lembrou Denise Carvalho, o Brasil assistiu a um relevante aumento no número de universidades federais. A ampliação teve início em 2002 e foi interrompida nos últimos anos, nas gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Mesmo com a expansão de matrículas no ensino superior público, o setor privado ainda é majoritário. “Hoje, a oferta na iniciativa privada ainda é muito maior do que no setor público. São 77% das matrículas, frente aos 23% em instituições públicas municipais, estaduais e federais”, pontuou.

A secretária de Educação Superior também abordou a diferença de perfil entre as instituições. “No Brasil, o setor privado, com exceções, é formado por escolas de formação profissional não associadas à produção de conhecimento. No setor público, a educação superior está acoplada à geração de conhecimento, e nossas instituições são responsáveis por 95% da produção científica em todo o país”, destacou.

Alpa:
Alpa: desenvolvimento econômico e progresso socialFoto: Foca Lisboa | UFMG

Na Argentina, o cenário é distinto, conforme demonstrou Oscar Alpa, secretário de Políticas Universitárias do país e reitor da Universidade Nacional de La Pampa. Lá, o sistema de ensino superior tem metade do sistema formado por instituições privadas. No entanto, quando se trata do número de estudantes, a situação é claramente favorável às instituições públicas, que absorvem 81% das matrículas. 

Internacionalização, inclusão e extensão
Oscar Alpa também ressaltou o crescimento do número de ingressantes no ensino superior na Argentina, entre 2012 e 2021: um salto de 39,7%. No mesmo período, a população do país cresceu 9%. O secretário finalizou sua exposição apresentando alguns pontos da política trabalhada pela Secretaria de Políticas Universitárias com as instituições de ensino superior.  

Alpa afirmou que a pandemia possibilitou repensar os formatos nas modalidades de ensino e aprendizagem. “Também temos buscado reconhecer o perfil dos ingressantes para potencializar as práticas pedagógicas, a qualidade educativa e a permanência no ensino superior”, disse. Outros tópicos destacados pelo secretário foram a busca por uma internacionalização mais inclusiva, a certificação de qualidade do ensino e a curricularização da extensão, que passou a ser incorporada nos planos de estudo. 

“Outro aspecto importante dessa política é a carreira de pesquisador universitário. Buscamos institucionalizar a figura do pesquisador universitário, contemplando ensino e extensão”, relatou. “Trabalhamos com o sistema universitário argentino para consolidar uma universidade que seja protagonista fundamental do desenvolvimento econômico e do progresso social do país”, completou Oscar Alpa.

Riscos

Orellana:
Orellana: construção republicana e democráticaFoto: Foca Lisboa | UFMG

Completando o trio de representantes de secretarias de ensino superior, o subsecretário de Educação Superior do Chile, Victor Orellana, iniciou sua contribuição tratando de problemas que, segundo ele, são comuns a todos os países latino-americanos na construção e na relação com suas universidades e instituições de ensino superior. “Antes de tudo, é preciso pensar: por que os nossos países constituem a educação superior?”, perguntou.

“No Chile, entendemos que nossas instituições cumprem um papel de construção nacional da República. O grande problema do nosso país é o desenvolvimento, e entendemos que a universidade latino-americana tem a missão de ser construtora da sociedade moderna em prol do desenvolvimento de nossos países, daí a importância da extensão para as nossas instituições”, refletiu.

Retomando a discussão sobre o papel das universidades na mobilidade social, Victor Orellana afirmou que tal concepção das instituições, quando exclusiva, implica uma visão não focada no desenvolvimento integral. “Essa concepção, forte na América Latina, abre espaço para o setor privado, que vê no esforço para superação da pobreza sua possibilidade de atuação. Com isso, muitas vezes perde-se o nexo entre ensino superior e desenvolvimento, sobressaindo a relação entre a educação superior e a mobilidade social”, pontuou.

Tal concepção, segundo Orellana, acaba afetando as políticas para o ensino superior na região. “Com a expansão via setor privado, a tendência é de racionalização de um sistema fragmentado, culminando numa política autorreferenciada: o ensino superior pensado para o próprio ensino superior”, alertou. Segundo o subsecretário, tais políticas incluem o “uso e o abuso de rankings” e um sistema pautado por inúmeros índices e pela pressão por publicação.

Hugo Rafael