Ensino

Estudantes recebem suporte de colegas para melhorar desempenho acadêmico

Em sua segunda edição, projeto 'Somos parceiros', coordenado pela Prae, incentiva a formação de duplas de estudo; colegiados podem aderir à iniciativa até 5 de maio

Isabela Vitória da Silva, na biblioteca da EEFFETO:
Isabela Vitória da Silva, na biblioteca da EEFFETO: "o ambiente faz toda diferença nos estudos" Foto: Eduarda de Sousa| EEFFETO/UFMG

A pandemia de covid-19 ainda assombrava o mundo no segundo semestre de 2021, quando a estudante Isabela Vitória Avelino da Silva ingressou no curso de Terapia Ocupacional da UFMG. As aulas eram on-line, e ela sentiu muitas dificuldades com as disciplinas da área de ciências biológicas. “Anatomia, Fisiologia, nossa, repeti Fisiologia três vezes!", relata ela, ainda assustada com o que passou.

No terceiro período letivo, chegou a vez de encarar a disciplina de Patologia, e o cenário se complicou de vez. “Eu lia o material, relia, deixava muita atividade sem fazer porque realmente não sabia como fazer. Pensava que, por estar no terceiro período, eu já deveria saber muito, mas não sabia”, recorda-se. 

Uma luz piscou no fim do túnel quando o colegiado do seu curso divulgou o edital de um novo projeto acadêmico. Isabela não perdeu tempo. Enviou um e-mail informado que precisava desse suporte.  “Não bastava só passar nas matérias; eu precisava entender os conteúdos de cada área, fazer conexões de uma disciplina com a outra, aprender para [qualificar] minha atuação.

Com o apoio pedagógico que recebeu, a futura terapeuta ocupacional deslanchou nas aulas. “Foi um alívio quando percebi que conseguia fazer perguntas e observações interessantes na sala de aula, conectar o que o professor falava com o que eu tinha estudado com a minha monitora. Quando consegui fazer sozinha atividades que antes eu não conseguia, avançar no meu aprendizado, senti que foi bom, muito bom!”, conta ela.

A monitora de Isabela – ou parceira de estudos ­– é Eduarda Helena Nascimento de Souza, do 8º período do mesmo curso. E o projeto que propiciou esse encontro é o Somos parceiros. Eduarda conta que viu na iniciativa uma oportunidade de aprofundar conhecimentos e obter um incentivo financeiro. “Conversei com Isabela para conhecer suas expectativas para o semestre, suas dificuldades e os melhores horários para nossos estudos, no contraturno das aulas”, diz. A parceria acadêmica durou três meses. Parece pouco, mas foi tempo suficiente para despertar uma amizade.  "Já estou com saudade, porque foi uma troca muito boa, criamos um vínculo muito importante”, comenta a veterana.

A edição inaugural do projeto Somos parceiros foi lançada em setembro do ano passado pela Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae). A segunda edição da iniciativa recebe, até 5 de maio, adesões dos colegiados de graduação para seleção de nova leva de estudantes parceiros – bolsistas que formam duplas de estudo com colegas de curso que precisam melhorar o desempenho acadêmico.     

O projeto é uma das ações afirmativas do Programa de Apoio à Permanência Qualificada de Estudantes na UFMG (PAPEQE-UFMG). “Trata-se de um conjunto de ações pedagógicas, interativas e afirmativas com o objetivo de enfrentar a grave violação do direito à educação e à defasagem na aprendizagem”, resume a pró-reitora de Assuntos Estudantis, Licínia Correa.

Quem pode participar
O projeto é direcionado preferencialmente a graduandos egressos de escolas públicas, oriundos de famílias de baixa renda, pessoas negras, com deficiência, trans, travestis, quilombolas e estudantes mães. “São justamente os grupos que mais sofrem os impactos das desigualdades educacionais do sistema público de educação básica e acabam carregando essa iniquidade para a vida universitária”, observa a pró-reitora. “Precisamos encarar esse desafio juntos, porque o baixo desempenho acadêmico afeta a autoestima, a saúde mental e até mesmo o desejo de permanecer na universidade e concluir o curso. Precisamos acolher e apoiar esses estudantes, para que eles também possam fazer uma imersão universitária nos aspectos, acadêmico, científico e cultural” acrescenta Licínia.  

De acordo com a diretora de Apoio a Projetos da Prae, professora Vanessa Veiga de Oliveira, os colegiados dos cursos de graduação são os parceiros da Prae na execução do projeto. "São eles que definem os critérios e a seleção dos estudantes parceiros, indicam um professor para supervisionar o estudo das duplas e escolhem, com o apoio do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), os alunos que precisam de suporte pedagógico para melhorar o desempenho acadêmico", informa Vanessa Veiga.

Os critérios para indicação de estudantes para o acompanhamento pedagógico têm sido a reprovação por três vezes em uma mesma disciplina, a não integralização da carga horária prevista e o baixo desempenho.   

Permanência qualificada e adesão facilitada
Os cursos de Direito aderiram novamente ao projeto e, na avaliação da coordenadora Yaska Fernanda de Lima Campos, “talvez essa seja uma das melhores iniciativas dos últimos tempos para a permanência qualificada nos cursos”. A professora destaca, ainda, a ausência de burocracia nos trâmites institucionais dos colegiados, o que favorece a adesão. "É tudo muito tranquilo", resume.   

“No semestre passado, tivemos dois estudantes atendidos pelo Somos parceiros, e o resultado foi um sucesso. Eles apresentaram melhora significativa nas notas. Também tivemos mais candidatos do que bolsas, e alguns estudantes se voluntariaram para ajudar outros colegas", diz Yasca.

Estudantes de Direito aguardando entrevista para seleção de bolsistas do Somos Parceiros
Estudantes de Direito aguardando entrevista para seleção de bolsistas para o 'Somos parceiros'Ana Cristiana | Direito UFMG

Para este semestre, o colegiado dos cursos de Direito já selecionou os 10 estudantes parceiros entre os 25 que se candidataram. Até o momento, 12 estudantes indígenas e quilombolas solicitaram o acompanhamento da iniciativa. Eles serão atendidos em disciplinas variadas, do segundo ao oitavo períodos do curso. Yasca Campos afirma que o voluntariado será novamente incentivado. "Acreditamos que a demanda aumentará ainda mais na medida em que o projeto se tornar mais conhecido entre os estudantes", justifica a coordenadora.

Os estudantes parceiros selecionados pelos colegiados recebem bolsa mensal de R$ 700 custeada pela Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump). Eles devem cumprir jornada de 20 horas semanais dedicadas ao apoio pedagógico a um colega de curso – 10 horas devem ser reservadas para acompanhamento presencial, com horários flexíveis, – e as outras 10, ao planejamento dos conteúdos, métodos e práticas de ensino, sob a supervisão de um professor.   

Neste primeiro semestre de 2025, o projeto contará também com a parceria da Pró-reitoria de Graduação (Prograd), por meio da Diretoria de Inovação e Metodologias de Ensino (GIZ), para a realização de encontros formativos entre os estudantes parceiros e os professores orientadores. "O projeto traz em sua concepção pontos importantes no que tange ao desafio da permanência e representa um avanço na busca de uma universidade inclusiva e socialmente referenciada", avalia a diretora do GIZ, professora Bréscia Nonato.

Descobrir um novo mundo

Eduarda e Isabela formaram uma dupla entrosada. No segundo semestre do ano passado, elas estudavam no contraturno das aulas, sempre presencialmente, “porque rende mais”, segundo avaliação consensual das duas. Elas também reservavam algumas horas para tirar dúvidas por telefone, por mensagens de texto e áudio ou compartilhavam documentos para revisar um ou outro texto. 

Embora o projeto ofereça uma sala para estudo privado na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO, a dupla se refugiava na biblioteca da Unidade e na Biblioteca Central, até então desconhecida de Isabela. “Eu nunca tinha entrado na Biblioteca Central. Foi como descobrir um novo mundo. O ambiente influencia muito nos estudos. E conhecer os novos espaços que estavam prontos, silenciosos, para estudo e pesquisa me ajudou muito”, afirma.

“Na biblioteca da EEFFETO, como tínhamos que conversar baixinho, era momento para fazer resumos, aprofundar em uma matéria ou aprender a usar ferramentas como Word e Powerpoint para apresentar trabalhos. Lá também fazíamos pesquisa em livros e explorava os recursos da biblioteca”, conta Eduarda Souza, a estudante parceira.      

“Na Biblioteca Central, como existem cabines de estudo, a gente até se empolgava quando estávamos ansiosas para estudar para alguma prova. Podíamos fazer atividades mais dinâmicas, como flash cards, [roteiro de] perguntas e respostas, analisar exemplos de caso clínico. Também usei slides, porque a Patologia exige imagens", acrescenta Isabela.

Eduarda e Isabela:
Eduarda e Isabela: "comemoramos muito os resultados" Foto: Eduarda Souza | EEFFETO/UFMG

Eduarda Souza acrescenta que se preparou para acompanhar a colega revisando as matérias que já havia cursado “porque a gente acaba esquecendo alguma coisa”. Ela também incentivou Isabela a se organizar sobre o cronograma das atividades e o material disponível no ambiente Moodle: “Também pesquisávamos muito na hora, com o computador que ela levava. Mas era sempre flexível para tirar um tempinho para dúvidas que apareciam nas atividades anteriores, feitas em casa", diz.

Eduarda conta que a convivência extrapolou o âmbito acadêmico: "Quando a gente ficava cansada porque a matéria era mais difícil, parávamos um pouco e conversávamos sobre a vida, coisas em comum, a gente se aconselhava. Não tem como separar uma coisa da outra. Estava ali para a monitoria, mas diante de outra pessoa, de outro ser humano. E, às vezes, quando uma ou outra não está bem, isso interfere no trabalho. Mas como criamos um vínculo, eu tinha liberdade de cobrar ou instigá-la mais, e ela também podia me falar se não estivesse entendendo do jeito que eu a ajudava. Nossa relação foi muito boa, e a gente comemorou muito os resultados".

Na avaliação da psicóloga Cláudia Lopes, que coordenou o Somos parceiros no semestre passado, em tempos de interações virtuais e, sobretudo, rasas, o projeto valoriza a relação interpessoal. "Um compreende a dificuldade do outro, ensina o conhecimento que mais domina e fazem juntos uma leitura mais aprofundada dos conteúdos. Isso é muito bonito e importante para a formação integral desses dois sujeitos, tanto para quem ensina quanto para quem está aprendendo”.

Inclusão e diversidade
Para a vice-diretora do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI), Daniela Vaz, estudantes com deficiência são oriundos, muitas vezes, de ambiente escolares marcados por negligência e violação de direitos, sem acesso a materiais, metodologias e condições adaptadas para garantir acessibilidade: "Na universidade, alguns desses estudantes enfrentam um risco aumentado de evasão ou exclusão", afirma.

Lucas Martins, da graduação em Otontologia conquistou organização e aprovação
Lucas Martins, da graduação em Odontologia: apoio individualizado contribuiu para a organização dos estudosFoto: Arquivo Pessoal

Lucas Leandro Vieira Martins Muniz, do 4º período do curso de Odontologia, também teve acompanhamento de um estudante parceiro. "A pessoa com deficiência demanda um pouco mais de atenção e precisa enfrentar desafios, principalmente quando o professor apenas passa [a matéria] e acredita que todos devem obter o mesmo desempenho. A experiência com o parceiro de estudos foi bem interessante por ocorrer de forma individualizada, o que me ajudou em relação à organização dos estudos e, claro, nas aprovações”, comemora.  

Neilma Rodrigues de Souza, estudante indígena do povo Xacriabá, matriculada no nono período do curso de Agronomia do campus regional de Montes Claros, teve medo de não conseguir concluir sua formação e, mais tarde, se viu aliviada e feliz com os progressos alcançados com a experiência do Somos parceiros. “Eu enfrentei muitas dificuldades, entre elas a ansiedade de ver minha formatura cada vez mais distante. O projeto foi uma experiência transformadora. Agradeço imensamente a UFMG a oportunidade e o cuidado. Estou muito grata por todo o suporte recebido, que me ajudou a continuar firme na busca do meu sonho. Espero que esse projeto seja permanente, principalmente para ajudar outros parentes indígenas e possibilitar que mais pessoas de nossas comunidades conquistem seus sonhos", projeta a estudante. 

Neilma Xacriabá, estudante do 9º período em Agronomia, no campus regional de Montes Claros
Neilma Xacriabá, estudante do 9º período de Agronomia, no campus regional de Montes Claros Foto: Arquivo Pessoal

Se depender de ao menos duas dezenas de colegiados da UFMG, o desejo de Neilma continuará vivo. Até o momento, os colegiados dos cursos de Pedagogia, Radiologia, Odontologia, Fonoaudiologia, Engenharia de Produção, Aquacultura, Ciências Biológicas e Terapia Ocupacional – o curso da dupla Isabela e Eduardo – concluíram a seleção dos bolsistas e já iniciaram o Somos parceiros neste primeiro semestre. Os colegiados de Medicina, Direito, Agronomia, Turismo, Psicologia, Enfermagem, Ciências da Computação, Controladoria e Finanças, Ciências Contábeis, Engenharia Química, Relações Econômicas Internacionais e Engenharia de Produção, também confirmados, estão selecionando os estudantes parceiros.

Isabela da Silva também aposta na continuidade do programa. "Pedi a monitoria novamente e já me reuni com minha monitora. Esse projeto é muito importante para alunos que têm dificuldades de aprendizado. Ele nos faz acreditar que é possível estudar não só para passar [de período], mas para  aprender e melhorar sua atuação no futuro, como profissional", afirma ela, que conclui seu testemunho revelando um sonho: "Desejo que esse projeto atenda o máximo de pessoas para que elas tenham a oportunidade e o suporte que eu tive para aprender, aprimorar, crescer e ser a dona da própria história".

Na primeira edição, foram atendidas 27 pessoas com deficiência, dez indígenas e dois quilombolas, indicados pelo NAI e pelos 20 colegiados que aderiram ao projeto: Ciências Biológicas, Ciência da Computação, Ciências Sociais, Direito, Enfermagem, Engenharia Civil, Engenharia de Produção, Farmácia, Odontologia, Pedagogia, Terapia Ocupacional, Agronomia, Educação Física, Letras Libras, Matemática, Matemática Computacional, Medicina, Psicologia, Radiologia e Veterinária.

Teresa Sanches