Investimento público em ciência é insubstituível
O professor Alexander Birbrair, do Departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), é um dos 12 pesquisadores brasileiros contemplados com aporte de R$ 1 milhão, em edital do Instituto Serrapilheira. Anunciados no último dia 17, os ganhadores foram selecionados entre os 65 pesquisadores de todo o país que receberam R$ 100 mil em 2018, na primeira fase da 1a Chamada Pública de Pesquisa Científica do Instituto. Eles terão três anos para dar continuidade às pesquisas iniciadas no ano passado.
Na primeira etapa da investigação, Birbrair explorou o microambiente onde crescem os tumores e revelou a presença e a importância do sistema nervoso periférico nesse microambiente, o que poderá, no futuro, ampliar as possibilidades de tratar o câncer. “Descobrimos que os nervos estão presentes e afetam a progressão do tumor. Nos próximos três anos, vamos investigar como eles atuam exatamente dentro do tumor, quais os mecanismos celulares e moleculares envolvidos, e, assim, tentar elaborar um tipo de terapia baseada nessa descoberta”, sintetiza o professor.
“É preciso criar uma consciência – que não seja abalada por qualquer governo – de que ciência não é gasto, é investimento. Investir em ciência é planejar, pensar no futuro”
A satisfação de ter sua pesquisa escolhida por revisores nacionais e internacionais para receber o aporte financeiro do Instituto Serrapilheira não ameniza a decepção do professor Alexander Birbrair com os cortes de recursos públicos para a educação e ciência anunciados pelo governo federal.
“É preciso criar uma consciência – que não seja abalada por qualquer governo – de que ciência não é gasto, é investimento. Investir em ciência é planejar, pensar no futuro”, defende o professor na entrevista a seguir:
É possível prever até aonde sua pesquisa pode chegar com esse novo aporte?
Sou um professor recém-concursado, cheguei à UFMG [ele fez doutorado e residência pós-doutoral nos EUA] há menos de três anos. Tirei dinheiro do bolso para construir uma parede em uma sala de aula prática. Meus alunos pintaram e monta- mos um laboratório. Com os R$ 100 mil da primeira fase da chamada, equipamos um laboratório com microscópios e lupas e comprei reagentes, para a pesquisa avançar. Cientificamente, o que fizemos com esses recursos? Descobrimos que os nervos estão presentes e são importantes dentro dos tumores. Percebemos que essas inervações não são passivas dentro dos tumores, mas exercem papéis proativos durante a progressão do câncer. Tendo compreendido a função de cada componente do microambiente tumoral, será possível desenhar drogas farmacológicas capazes de executar o bloqueio do crescimento do tumor. Agora teremos condições de trabalhar com perguntas mais complexas, com o intuito de identificar os mecanismos por meio dos quais o crescimento do tumor é regulado pelo sistema nervoso periférico e criar maneiras de manipulá-lo para inibir o desenvolvimento tumoral.
O resultado da chamada foi anunciado em um momento grave, com contingenciamento e cortes de verbas públicas...
Eu voltei para ficar, cheguei ao Brasil com a intenção de trabalhar aqui pelos próximos 30, 40 anos, no mínimo, e é um orgulho estar em casa. Sou extremamente otimista, tenho muita motivação e, em geral, diante de qualquer situação, sempre acredito que é possível superar as dificuldades. Mas, neste momento, estou abalado, surgiram dúvidas, pois a vida de muitos cientistas está sendo afetada, assim como o futuro do país. Alguns estados brasileiros, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, não estão conseguindo financiar as pesquisas, mesmo aquelas que já tinham sido aprovadas em editais. As pessoas concorrem aos editais, é difícil ganhar, e mesmo ganhando não estão recebendo o recurso. Meu grupo reunia quase 20 pessoas, e algumas já foram embora porque perdemos bolsas da Capes. Pesquisas do meu grupo já foram selecionadas em alguns outros editais (do CNPq e da Fapemig) e, até agora, os recursos não foram repassados.
É preciso criar uma consciência – que não seja abalada por qualquer governo – de que ciência não é gasto, é investimento. Investir em ciência é planejar, pensar no futuro. Não queremos que, daqui a duas ou três décadas, o Brasil seja totalmente dependente e precise importar tudo de outros países, que vão impor o preço que quiserem.
A iniciativa do Instituto Serrapilheira traz esperança?
É importantíssima, sobretudo por operar de forma diferente, dando liberdade aos pesquisadores e sem cobrar necessariamente um produto, como poderiam fazer algumas empresas. No entanto, jamais o financiamento privado poderá substituir o público. Não existe nenhum lugar no mundo – nos EUA, em Israel ou na Europa –, em que o financiamento privado seja maior do que o público. Pela lógica do financiamento privado, ninguém investiria, por exemplo, em pesquisa de matemática ou em temas não aplicáveis. E qual o problema disso? É que hoje em dia não existiriam coisas como celulares e computadores se não houvesse investimento em matemática. Investir em pesquisa básica é responsabilidade do Estado, assim como o investimento em educação e em saúde para não se ter um país de analfabetos e sem médicos. São coisas essenciais. Não queremos um país que não investe em seu futuro.
[Versão ampliada desta entrevista e da matéria sobre os projetos financiados pelo Instituto Serrapilheira foi publicada no Portal UFMG, em 17/5/2019]