A covid-19 avança no sistema carcerário brasileiro
Número de infectados e mortos aumenta rapidamente em celas superlotadas e com más condições de higiene, como mostra o programa 'Outra estação', da Rádio UFMG Educativa
Superlotação e carência de materiais de higiene pessoal. Esses problemas, comuns em presídios brasileiros, tornaram-se ainda mais preocupantes com a disseminação do novo coronavírus, já que impossibilitam o cumprimento do distanciamento social e de outras medidas preventivas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. Até esta quarta-feira foram confirmados 4.426 casos de covid-19 e 62 mortes pela doença entre pessoas presas, segundo dados divulgados em um painel atualizado diariamente pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
O crescimento rápido desses números, além de indicar um grave problema sanitário, aumenta a tensão nos presídios e a possibilidade de haver rebeliões, segundo especialistas ouvidos no episódio 48 do programa Outra estação, produzido e veiculado pela Rádio UFMG Educativa. A pandemia atinge não apenas pessoas encarceradas, mas também funcionários das penitenciárias. Em Minas Gerais, famílias de presidiários reclamam da falta de assistência médica adequada e da prática de torturas, denúncias negadas pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
Problemas estruturais ajudam a espalhar o vírus
Um banco de dados mantido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aponta que os presídios do Brasil têm uma taxa de ocupação de 166%, ou seja, existem 166 presos para cada 100 vagas no sistema prisional. A superpopulação é um dos problemas ressaltados pelos entrevistados do primeiro bloco do Outra estação: Everaldo Patriota, presidente da Coordenação de Acompanhamento do Sistema Carcerário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e Antônio Tavares, juiz auxiliar do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Everaldo Patriota e Antônio Tavares explicam a situação do sistema prisional brasileiro em meio à pandemia de covid-19 e quais as ações necessárias para se evitar uma contaminação em massa de funcionários e pessoas presas. Entre os dias 15 e 29 de junho, o números de casos confirmados entre os detentos saltou de 2.605 para 5.554, segundo levantamentos semanais divulgados pelo CNJ.
A pandemia nas penitenciárias de Minas Gerais
A população carcerária de Minas Gerais registrou 269 casos de Covid-19 até a manhã desta quinta-feira, segundo informações da Sejusp. Esse universo inclui duas pessoas mortas pela doença. Porém, esses números seriam maiores se não houvesse uma expressiva subnotificação, na avaliação de Natália Martino, estudante de doutorado em Ciência Política na UFMG e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da mesma universidade.
Natália foi uma das entrevistadas do segundo bloco do Outra estação, junto com Maria Teresa dos Santos, coordenadora da Frente Estadual pelo Desencarceramento em Minas Gerais e presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade. Uma das críticas e denúncias feitas por Maria Teresa é a de que a suspensão das visitas no sistema prisional mineiro estaria contribuindo para ocultar a prática de tortura nos cárceres, relato negado pela Sejusp.
Números do sistema prisional no Brasil e em Minas
O país possui 1.436 unidades prisionais, das quais 233 estão em Minas Gerais e, particularmente, 28 na Região Metropolitana de Belo Horizonte, de acordo com dados de abril de 2020 do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, feito pelo Depen.
O mesmo levantamento registra que o Brasil tem 748.009 pessoas privadas de liberdade, das quais 74.712 em Minas Gerais. Na Região Metropolitana de BH são 20.053 detentos. Por sua vez, o banco de dados mantido pelo CNMP aponta que o Brasil tinha cerca de 730 mil pessoas privadas de liberdade em março deste ano, das quais aproximadamente 10% (73.365) estão em Minas.
Segundo o levantamento do CNMP, a taxa média de superlotação carcerária no Brasil era de 166,26% em março, como dissemos acima. A superlotação nas unidades mineiras é ainda maior do que a taxa nacional: o índice é de 171%, ou seja, são 171 presos para cada 100 vagas. Em Ribeirão das Neves, município mineiro com mais unidades prisionais, há 8.549 encarcerados para 5.568 vagas.
Para saber mais
Painel com informações sobre a covid-19 no sistema prisional, atualizado diariamente pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional)
Estudo da Fundação Oswaldo Cruz que analisou as causas de óbito no Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro
Sistema Prisional em Números, banco de dados mantido pelo Conselho Nacional do Ministério Público
Página da UFMG com informações sobre a covid-19
Produção
O episódio 48 do Outra estação é apresentado por Beatriz Kalil, com trechos lidos por Arthur Bugre. A edição é de Arthur Bugre e Tiago de Holanda. a produção é de Arthur Bugre, Beatriz Kalil e Tiago de Holanda. Os trabalhos técnicos são de Breno Rodrigues.
O Outra estação aborda, semanalmente, um tema de interesse social. Na Rádio UFMG Educativa (104,5 FM), vai ao ar às quintas-feiras, às 18h, com reprise às sextas, às 7h30. O conteúdo também está disponível nos aplicativos de podcast, como o Spotify.