Cemitério africano de Nova York confirma importância da escravidão urbana nos EUA
Análise é de arqueólogo da Unesco
Pesquisas sobre um cemitério africano descoberto em 1991 na cidade de Nova York confirmaram a relevância da presença de negros escravizados em áreas urbanas do leste dos Estados Unidos, assim como aconteceu nas plantações de territórios do Sul. Aspectos desses estudos foram relatados na manhã de hoje, no Conservatório UFMG, pelo arqueólogo Augustin Holl, que fez a conferência de abertura do simpósio Arqueologia e história da cultura material na África e na diáspora africana.
Professor da Universidade de Nanterre La Défense, na França, e presidente do Comitê Científico da Unesco para a elaboração do nono volume da História geral da África, Augustin Holl esteve envolvido por mais de dez anos na análise dos achados do cemitério de Nova York. A descoberta se deveu a escavações para as fundações de novo edifício para abrigar o Departamento de Justiça americano, e os estudos foram sediados na Howard University, localizada em Washington, D.C.
Depois de explanar brevemente sobre os primeiros movimentos dos africanos em direção a outros continentes, Holl afirmou que os negros que chegaram inicialmente à região de Nova York tinham origem nas fazendas de cana-de-açúcar do Caribe. Mas logo começariam a aportar homens e mulheres provenientes diretamente da África, o que foi possível constatar por meio de objetos encontrados no sítio de escavação.
Augustin Hall disse também, que, no início do século 17, muitos eram trabalhadores de empresas como as de tabaco – não havia relação de propriedade. “Enquanto o domínio da cidade era dos holandeses, os africanos tinham mais direitos. Eles foram perdendo direitos com a chegada dos ingleses”, disse o pesquisador.
Esgotamento e punições
O cemitério africano foi encontrado próximo à região de Wall Street – centro financeiro do mundo –, onde havia um mercado de escravos. As mortes aconteciam predominantemente no inverno, em razão das dificuldades de adaptação dos africanos ao clima da América do Norte. Muitos morriam porque tinham sua capacidade de trabalho explorada além do limite e também porque não resistiam à brutalidade das punições.
Por meio de gráficos, Augustin Holl mostrou a incidência de mortes por gênero e idade, em quatro fases, durante quase dois séculos. Chama a atenção a alta proporção de crianças e jovens e de mortos de gênero não identificado. Imagens que foram exibidas pelo professor mostram os restos mortais de homens e mulheres e ajudam a identificar causas e circunstâncias da morte.
As análises revelaram, por exemplo, uma mulher de 25 anos que teve o rosto esmagado e levou um tiro no peito, um homem da mesma idade que provavelmente foi enforcado e tinha os punhos amarrados nas costas e um outro adulto com membros superiores e inferiores amputados. Foram encontrados também crânios enterrados sem os respectivos corpos, uma mulher com seu bebê e restos arranjados para que parecesse que os corpos foram enterrados sem amputações, por exemplo.
De acordo com Augustin Holl, os estudos sobre o cemitério africano em Manhattan têm possibilitado novos conhecimentos sobre a vida dos africanos escravizados na América do Norte – como condições de vida e saúde muito precárias. “Diferentemente daqueles que trabalharam em plantações, os de áreas urbanas do leste deixaram menos vestígios, porque passavam muito tempo trancados em porões”, disse o pesquisador.
Ele destacou o envolvimento da comunidade negra de Nova York em todo o processo de pesquisa e o trabalho de divulgação realizado em escolas. O cemitério africano, com seus maiores de 400 túmulos, ganhou um memorial que valoriza um achado arqueológico que é considerado um dos mais importantes nas Américas, no século 20, e se transformou em monumento nacional.
O simpósio Arqueologia e história da cultura material na África e na diáspora africana segue até esta sexta, 4, sempre no Conservatório UFMG, que fica na Avenida Afonso Pena, 1.534, Centro.