Coberturas especiais

Cientistas se posicionam contra mudanças no Guia Alimentar para a População Brasileira

Chefe do Departamento de Nutrição da UFMG, Luana Caroline dos Santos, analisou as propostas de mudanças, em entrevista ao programa Conexões

Guia editado em 2014 pelo Ministério da Saúde orienta que população priorize consumo de produtos de origem vegetal
Guia editado em 2014 pelo Ministério da Saúde orienta que população priorize consumo de produtos de origem vegetal Foto: Marco Santos/USP Imagens / Fotos publicas / CC BY-NC 2.0

Consumir alimentos in natura ou minimamente processados, em grande variedade e predominantemente de origem vegetal, e que essa seja a base da alimentação. Esse é um dos pontos chaves do Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2014 e distribuído gratuitamente pelo Ministério da Saúde. Mas agora, em 2020, uma nota técnica do Ministério da Agricultura enviada ao Ministério da Saúde faz críticas ao guia e pede a revisão do manual, principalmente em relação à recomendação de que a população evite o consumo de alimentos ultraprocessados. 

A ideia do Ministério da Agricultura é melhorar a imagem desses alimentos ultraprocessados. Diante disso, 33 cientistas de países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Reino Unido, México, Chile e África do Sul assinaram uma carta endereçada à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para rechaçar essa nota técnica do Ministério da Agricultura. 

Em entrevista ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, nesta sexta-feira, 2, a professora Luana Caroline dos Santos, chefe do Departamento de Nutrição da UFMG, destacou que o Guia Alimentar para a População Brasileira em vigor atualmente é resultado de um amplo e longo processo de elaboração, cujo objetivo era melhorar a qualidade da alimentação dos brasileiros. Com participação ampla de diferentes instituições e setores da sociedade e dividida em seis etapas, a elaboração do guia envolveu agendes da saúde, educação, assistência social, agricultura, de conselhos profissionais e de pesquisadores e professores universitários. 

Participante da primeira etapa, a de escuta, realizada em novembro de 2011, Luana dos Santos afirmou a qualidade do processo, pautado em pesquisas e evidências científicas, desde o seu início. "Nós ficamos durante três anos, em um processo bastante ampliado de discussão, para elaboração do guia que hoje está disponível para a população", esclareceu.

Alimentos ultraprocessados
O maior ponto de discussão, no momento, são os alimentos ultraprocessados. E são eles, justamente, os maiores vilões da alimentação. "Esses produtos têm uma composição nutricional desbalanceada, ou seja, têm um alto teor de açúcar, gorduras, conservantes, aromatizantes, espessantes, vários aditivos químicos. Isso favorece um consumo excessivo de calorias, pelo hipersabor", destacou Luana.

Outro ponto delicado em relação aos ultraprocessados, de acordo com a professora, é que o consumo excessivo desse tipo de produto pode afetar negativamente "a cultura, a nossa vida social e o ambiente". "Por isso, a sugestão do guia é que a gente priorize o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados e as preparações culinárias, em detrimento dos alimentos ultraprocessados", afirmou.

Ainda assim, diante dessas evidências, a nota técnica do Ministério da Agricultura solicita uma revisão no Guia Alimentar, especialmente na recomendação em relação aos alimentos ultraprocessados. Para a professora Luana dos Santos, a orientação tem interesse comercial. 

"A nota técnica faz solicitação de extinção dessa classificação, de acordo com as categorias de processamento dos alimentos. Eles querem que o termo 'alimentos ultraprocessados' desapareça e também que seja revista a questão do incentivo, em maior grau, dos alimentos de origem vegetal. Então, a gente entende que há um interesse grande comercial, de setores da indústria que se beneficiam da questão do ultraprocessamento", explicou.

Ouça a conversa com Luíza Glória

Produção de Arthur Bugre