Pesquisa e Inovação

Em livro, professora do Departamento de História investiga origens da corrupção brasileira

A autora, Adriana Romeiro, identifica semelhanças entre as práticas do Brasil-colônia e as atuais, que dominam o noticiário

Na capa do livro, a
A pintura 'Velha usurária' (1638), de José de Ribeira (1591-1652) representa a avareza Imagem: Reprodução de capa

É inegável que o debate sobre a corrupção brasileira ganha projeção com o advento da Nova República (1985), período que tem como um de seus marcos fundacionais a eleição de Fernando Collor de Mello para a presidência do país. Afinal, eleito em 1989 com uma campanha toda centrada na promessa de combate à improbidade no serviço público – o que lhe valeu a alcunha de “caçador de marajás” –, Collor sofreria um impeachment menos de três anos depois em razão das denúncias de corrupção que recaíram sobre o seu governo trazidas à tona pelo seu próprio irmão. 

A história da corrupção brasileira, contudo, é muito mais antiga – remonta, no mínimo, ao período colonial, época em que a distância entre colônia e metrópole, os baixos salários pagos aos administradores locais, o atrativo das riquezas nacionais e a precariedade das formas de controle tornava “Pindorama” um terreno fértil para os mais variados tipos de improbidade.

É a esse tema que a professora Adriana Romeiro, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), se dedica em Ladrões da república: Corrupção, moral e cobiça no Brasil, séculos XVI a XVIII, livro que está saindo do prelo pela Editora Fino Traço. Na obra, a historiadora “mergulha nas profundezas da cultura política ibérica da época moderna, investigando como então se concebiam as relações entre poder, dinheiro e corrupção”, conforme faz saber a sinopse do volume, disponível em pré-venda no site da editora.

Em Belo Horizonte, o lançamento presencial ocorrerá neste sábado, dia 19, na Livraria Jenipapo (rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi). A autora autografará os volumes das 10h às 12h30.

'Rachadinhas' coloniais
“No período colonial, tínhamos práticas de corrupção muito parecidas com as práticas atuais”, conta Adriana. “Um exemplo é a famosa ‘rachadinha’, que já existia nos primeiros anos do século 17, por volta de 1603, 1604. Há, por exemplo, documentação sobre Diogo Botelho, governador-geral do Brasil na época, contratar funcionários e ficar com metade dos seus salários.”. A historiadora não escapa de ver semelhanças entre o que ocorria naquela época e as tantas denúncias de corrupção que recaem sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro e sua família. “O que a gente vê hoje de Bolsonaro não é muito diferente do que havia na época colonial. É toda uma cultura que foi gestada ao longo dos séculos, em que o governo e o Estado são explorados pelos indivíduos no poder”, afirma, lembrando também o mais recente caso de corrupção que envolve ainda mais diretamente o ex-presidente – o caso das joias desviadas, que tem dominado as manchetes neste mês.

Adriana Romeiro
Romeiro: no Brasil-colônia já havia uma noção de julgamento público sobre a relação entre poder e dinheiro Foto: Somos UFMG

De corrupções e corrupções
A ideia de corrupção está intimamente ligada ao ato de corromper. Quando se fala de corrupção, alude-se a um comportamento desonesto, fraudulento, imoral ou ilegal que implica a troca de dinheiro, valores ou serviços em proveito próprio (suborno, roubo, toma-lá-dá-cá etc.). Trata-se, ao cabo, da degradação moral da própria relação com o coletivo social: usa-se meios ilegais e/ou imorais para apropriar-se de algo do coletivo em benefício próprio; para o ganho financeiro, em suma. Para Adriana Romeiro, essas e outras práticas atuais de corrupção remontam ao período colonial, mas as formas como as pessoas daquela época pensavam a corrupção e o poder eram um pouco diferentes das de hoje, pois o contexto era diferente do atual. Se hoje a ideia de corrupção está relacionada a uma noção estrita de transgressão da lei, naquela época ela era vista mais como uma transgressão ética, moral.

“Em razão disso, muitos historiadores dizem que não se pode falar propriamente em ‘corrupção’ para aquela época, porque nela não haveria ainda a noção de coisa pública, de esfera pública etc. Contudo, já havia um conjunto de normas morais; não era uma lei, mas uma norma que já estabelecia que era imoral usar o poder como forma de enriquecimento. O que faço no livro, portanto, é mergulhar nesse contexto cultural, que é diferente do nosso, para mostrar que mesmo nele é possível falar de corrupção, na medida em que já havia princípios morais que condenavam a relação entre dinheiro e poder”, explica Adriana Romeiro. “A verdade é que, naquela época, quando um governante saía de Portugal e vinha para cá, já vinha com a intenção de ficar rico via espoliação predatória. No século 16, havia toda uma cultura de que o Brasil era um lugar de enriquecer. A corrupção de hoje é, sem dúvida, herdeira dessa prática antiga.”

Romero também é autora do livro Corrupção e poder no Brasil – uma história, séculos XVI a XVIII, editada pela Autêntica. Na obra atual, a historiadora retoma, amplia e aprofunda as análises, feitas naquela obra, “sobre o significado e o lugar da corrupção no imaginário político da Época Moderna”, como ela mesma anota na introdução do novo livro.

Livro: Ladrões da República: corrupção, moral e cobiça no Brasil, séculos XVI a XVIII
Autora: Adriana Romeiro
Editora Fino Traço
420 páginas | R$ 80

​Ewerton Martins Ribeiro