Livro reúne perfis de sete mulheres que lutaram pela independência do Brasil
A mineira Hipólita Jacinto, a cearense Bárbara de Alencar e a baiana Maria Quitéria estão entre as figuras retratadas na obra organizada por Heloisa Starling e Antonia Pellegrino
No Brasil colonial ou na Europa, não era recomendado às mulheres que se arriscassem fora da esfera doméstica; no caso de ultrapassar esse limite, elas até poderiam ganhar a vida com o próprio trabalho, sustentar o marido ou, no contexto europeu, manter “salões ilustrados”, mas nunca deveriam reivindicar participação política, algo que lhes era efetivamente proibido. Contudo, já naquele tempo havia mulheres decididas a governar as próprias vidas, dispostas a se contraporem às convenções morais e sociais estabelecidas e a desafiar as barreiras da participação no debate público.
É de sete dessas mulheres que trata o livro Independência do Brasil: as mulheres que estavam lá, organizado pela escritora e roteirista Antonia Pellegrino e pela professora Heloisa Starling, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG. A obra será lançada neste sábado, 3 de setembro, a partir das 11h, na Livraria Jenipapo, que fica na rua Fernandes Tourinho, 241, Savassi, o mesmo endereço onde funcionou a tradicional Livraria do Ouvidor. O lançamento ocorre no âmbito das celebrações do bicentenário da Independência do Brasil.
Sete mulheres de hoje (incluídas as organizadoras) escrevem sobre essas sete mulheres do passado, que desempenharam papéis decisivos na história do Brasil – seja na independência brasileira, propriamente, seja em alguma das várias movimentações políticas que a precederam, criando suas condições de possibilidade. São mulheres que “vivenciaram esse projeto de maneiras diferentes, partindo de patamares sociais desiguais e atuando de forma diversa: empunharam armas, engajaram-se no ativismo político, fizeram uso da palavra escrita no debate público”, explicam as organizadoras na introdução do volume.
Quatro das autoras dos perfis participarão do evento de lançamento em Belo Horizonte: a escritora Cidinha da Silva, a jornalista, escritora e tradutora Virginia Siqueira Starling, a historiadora Marcela Telles e a própria Heloisa Starling.
Por um novo imaginário do Sete de Setembro
No livro, Heloisa Starling escreve sobre Hipólita Jacinta Teixeira de Melo (1748-1828), a única mulher que participou da Conjuração Mineira – o primeiro e mais importante evento anticolonial da América Portuguesa, desmantelado em 1789 –, convocando a resistência armada. Antonia Pellegrino perfila Bárbara de Alencar (1760-1832), que, em seu tempo, exerceu um “matriarcado caboclo” no sertão cearense, liderando batalhas contra as forças da metrópole. Bárbara foi a primeira mulher presa por suas convicções políticas, “a primeira vítima de violência política de gênero no Brasil”, anotam as organizadoras.
Em seguida, a historiadora Patrícia Valim conta a história da poliglota Urânia Valério (1811-1849), baiana de origem portuguesa que começou, já aos dez anos, a publicar panfletos – mídia/gênero predominantemente masculino, à época – que movimentaram o debate político sobre a Independência, fortalecendo a campanha anticolonial. Cidinha da Silva descreve a trajetória de Maria Felipa de Oliveira (1799/1800-1873), pescadora e mercadora negra que exerceu papel-chave na proteção contra os ataques dos barcos portugueses à ilha de Itaparica, na Bahia, onde liderava a luta rebelde.
Marcela Telles fala sobre Maria Quitéria de Jesus (1792-1853), que se disfarçou de homem para trocar a vida doméstica e materna pela luta armada pela Independência do Brasil, combatendo no front. Virginia Siqueira Starling escreve sobre Maria Leopoldina da Áustria (1797-1826), a imperatriz que, a despeito de ser usualmente lembrada como a mulher traída de Dom Pedro I, “se mostrou exímia articuladora política ao lutar – e vencer – pela permanência de seu marido no Brasil, indo contra os mandos de Portugal, que exigia o seu retorno”.
Por fim, a jornalista e escritora Socorro Acioli focaliza a vida de Ana Maria José Lins (1764-1839), que convocou senhores de engenho e escravizados à luta armada, fazendo de seu engenho a última trincheira republicana de Alagoas.
“Em 2022, o Brasil vive um tempo sombrio, e a democracia corre risco real. Convocar a força dessas mulheres e conferir permanência à ação política que elas realizaram para mostrar onde estão fincadas as raízes das ideias de liberdade, soberania e República entre nós pode nos dizer muita coisa sobre a brasileira e o brasileiro que um dia já fomos ou poderíamos ser”, defendem as organizadoras na introdução do volume. “A história não está escrita nas estrelas. Ainda temos algum tempo para reagir e fazer nossas escolhas. E escolhermos juntas o futuro”, conclamam.
Em risco
Em suas últimas páginas, o livro traz um posfácio da jurista e professora Cármen Lúcia Antunes Rocha. Nele, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) lembra que “mulher vive em risco”, qualquer que seja o momento histórico. “Dois centenários tem essa seguida estrada, tão longa e obscurecida, na busca de participação política da mulher”, pontua a jurista. “A alvorada chegante poderá iluminar o caminho e mostrar relampeios da justiça pela qual se luta. [...] Se não vier ligeiro uma manhã republicana desdobrada, talvez o Sol de esperança da alma feminina expanda seus raios de desejos de ser nação.”
Livro: Independência do Brasil: as mulheres que estavam lá
Organização: Heloisa Starling e Antonia Pellegrino
Editora Bazar do Tempo
R$ 62,90 / 224 páginas