Pesquisa e Inovação

Mutações genéticas afetam ligação entre proteína humana e o Sars-CoV-2

Artigo de pesquisadores do ICB mostra que variabilidade da enzima ACE2 interfere na transmissibilidade do vírus

Desenho do grupo de pesquisa mostra como variantes da proteína ACE2 humana se ligam ao Sars-CoV-2
Linhagens do Sars-CoV-2 apresentam diferentes afinidades por variantes da proteína ACE2 encontradas em populações humanas; algumas ACE2 ligam-se com mais força à Spike; outras se conectam com menos força
Wenderson Rodrigues

Estudos desenvolvidos durante a pandemia da covid-19 mostraram que os mecanismos de entrada de alguns coronavírus nas células do corpo humano estão relacionados à proteína humana ACE2, a enzima conversora da angiotensina 2. O Sars-CoV-2 contamina o organismo humano quando a proteína S do vírus (também chamada de Spike) se liga à proteína humana ACE2. 

Pesquisadores dos departamentos de Botânica e de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas do (ICB) acabam de descobrir que as variações genéticas da proteína ACE2 podem mudar a forma como o Sars-CoV-2 interage com as células humanas. O achado está descrito no artigo Human variation in the protein receptor ACE2 affects its binding affinity to Sars-CoV-2 in a variant-dependent, que mostra como algumas variações genéticas da ACE2 influenciam na força da ligação dessa proteína com as variantes do coronavírus P1 (Gama, de grande impacto em Manaus), B.1.1.7 (Alfa, identificada no Reino Unido) e B.1.351 (Beta, descoberta na África do Sul).

O grupo de pesquisadores constatou que as versões da ACE2 que atrapalham a ligação do vírus Sars-CoV com as células humanas são raras e ocorrem em menos de 1% das amostras analisadas. Eles também concluíram que a maioria dos indivíduos tem uma versão da ACE2 que se conecta com eficiência à proteína S do vírus, o que justifica o fácil espalhamento do vírus. 

Além disso, as análises mostraram que algumas variantes da proteína S do vírus conseguem se juntar a qualquer versão da proteína humana ACE2, como é o caso das variantes Alfa e Gama. A variante Beta, por sua vez, se ligou mais facilmente à versão mais comum da ACE2, presente na maioria das pessoas.

“Mostramos que algumas variantes do novo coronavírus são mais sensíveis que outras em relação às variações genéticas humanas e ilustramos a evolução do vírus em direção a uma maior afinidade com a ACE2 humana”, relata o biotecnologista Thiago Mendonça dos Santos, um dos autores do artigo. Segundo o pesquisador, o conceito de afinidade deve ser entendido juntamente com o de transmissibilidade. “A força da ligação, ou seja, a afinidade da proteína Spike do vírus com o ACE2 humana é um dos fatores que determinam a facilidade com que o coronavírus é transmitido de célula a célula. Assim, uma maior afinidade resulta em maior transmissibilidade”, esclarece.
 
Infinidade de 'fechaduras'
O pesquisador Luiz Eduardo Del-Bem faz uma analogia para explicar como as diferenças genéticas dos indivíduos interferem na ligação de suas proteínas ACE2 com a proteína Spike do Sars-CoV-2. Segundo ele, é como se a ACE2 fosse uma fechadura, e a Spike, uma chave. Ao identificar várias versões diferentes do ACE2, o grupo percebeu que existe uma infinidade de “fechaduras” que se ligam à proteína do vírus.

O estudo foi feito por meio de análises in silico, ferramentas de bioinformática usadas para comparar dados em grande volume. Usando modelos tridimensionais, os pesquisadores mediram a força de ligação das duas proteínas, a ACE2 e a Spike, e a de suas variantes. “Também simulamos o complexo ACE2-Spike em condições fisiológicas, usando robustos processamentos computacionais”, acrescenta Mendonça.

Em meio aos membros da equipe do laboratório, os autores do estudo, da esquerda para a direita, Thiago Santos, Ayrton Breno Lisboa e o professor Luiz Del-Bem (ao centro, na frente)
Em meio aos integrantes do laboratório, os autores do estudo, da esquerda para a direita, Thiago Santos, Ayrton Breno Lisboa e o professor Luiz Del-Bem (ao centro, na frente) Arquivo pessoal

Tanto a proteína Spike do vírus quanto a ACE2 humana foram obtidas de bancos de dados públicos. As variantes ACE2 humanas foram selecionadas no banco 1000 genomas, que reúne mais de dois mil genomas de humanos sequenciados ao redor do mundo. Os processamentos de simulação em condições fisiológicas foram realizados nos supercomputadores do Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho (Cenapad), em São Paulo.

Os cientistas selecionaram 11 variantes de ACE2, que, somadas às três variantes de coronavírus analisadas (Alfa, Gama e Beta), junto à linhagem original de Wuhan, geraram 48 complexos de proteínas ligadas. As conclusões foram obtidas por meio de comparações dos números encontrados com valores de afinidade disponibilizados em outros trabalhos publicados na área.

Artigo: Human variation in the protein receptor ACE2 affects its binding affinity to SARS-CoV-2 in a variant-dependent manner 
Autores: Thiago Santos, Ayrton Lisboa, Wenderson Rodrigues, Helena Gomes, Jônatas Abrahão e  Luiz-Eduardo Del-Bem
Publicado no Journal of Biomolecular Structure and Dynamics e disponível on-line.

Luana Macieira | com informações da Assessoria de Comunicação do ICB