Por valorização da ciência, marchas marcam Dia Internacional da Terra
Dezesseis cidades brasileiras, entre elas Belo Horizonte, registraram na manhã deste sábado, 22, manifestações pela valorização da ciência. Na capital mineira, cerca de 300 participantes – pesquisadores, estudantes e apoiadores em geral – concentraram-se na Praça da Liberdade, reivindicando sobretudo mais investimentos para pesquisa, fim do contingenciamento dos recursos para a ciência e o retorno do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, fundido com o Ministério das Comunicações em 2016.
A Marcha pela Ciência ocorre no Dia Internacional da Terra e foi realizada em mais de 400 cidades de todos os continentes. Segundo os organizadores da March for Science, a data foi escolhida para evidenciar que a pesquisa é fundamental para o desenvolvimento de soluções inovadoras e sustentáveis e, sobretudo, para torná-las acessíveis a todos.
“A ciência é crítica para o nosso futuro – ela protege nossa água e ar, amplia nossas vidas e melhora nossa saúde, protege nosso planeta e dá vida à nossa imaginação”, defendem os organizadores do movimento global.
No Brasil, o movimento tem dez objetivos específicos: valorização da ciência e do cientista; desenvolvimento e soberania do país pelo avanço da ciência e tecnologia; garantia e incremento dos investimentos para pesquisa e carreira acadêmica; contratações para institutos de pesquisa; maior investimento em ensino de ciências nas escolas brasileiras; garantia de direitos para pós-graduandas e pós-graduandos; garantia de financiamento da ciência; reativação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; divulgação ampla e democrática de ciência e resistência à política de juros altos e cortes na ciência.
Professor da UFMG e diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Paulo Sérgio Lacerda Beirão afirmou que a redução drástica de recursos para a ciência e tecnologia e o desmantelamento de estruturas – como a extinção de um ministério exclusivo para a C&T e a fragilização de agências como CNPq e Finep – põem em risco “um sistema construído com o esforço de várias gerações, notadamente após a Segunda Guerra Mundial. Ciência é fundamental para a soberania do país, e nosso objetivo é alertar a população para isso. Tomemos como exemplo a produção de alimentos. O Brasil era importador até a década de 1950 e hoje é exportador graças aos investimentos na pesquisa em agricultura. Em outras áreas o Brasil também está produzindo ciência de ponta. Não podemos permitir um retrocesso”.
O reitor Jaime Arturo Ramírez informou que, se mantida a previsão orçamentária para 2017, a UFMG receberá orçamento equivalente ao ano de 2013, sem que sequer seja compensada a inflação do período. “Compreendemos que o país atravessa um momento de dificuldade econômica que exige esforços de todos. Mas a redução de recursos proposta para a ciência, tecnologia e ensino superior nem tem impactos positivos sobre as contas públicas. Pelo contrário, causa enorme prejuízo ao país em médio prazo. O Brasil vem crescendo em produção científica, tornando-se, portanto, mais competitivo e mais justo socialmente. Interromper esse processo e retomá-lo depois custará muito mais”, afirma.
Futuro da ciência
Segundo a diretora do ICB, Andréa Macedo, um dos objetivos da marcha foi chamar atenção da população para o custo da redução dos investimentos em ciência. “Por isso, o movimento mundial escolheu o Dia Internacional da Terra para a realização deste evento. A ideia é sensibilizar sociedade e governantes para a compreensão de que a ciência é a base do futuro social, econômico e educacional. É preciso compreender e defender a ciência como mola propulsora do desenvolvimento. O Brasil retornou a níveis de financiamento de 10 anos atrás, e precisamos evidenciar que este é um grave retrocesso.”
Para defender que os investimentos em educação científica iniciem-se bem antes do ensino superior, o Museu Itinerante Ponto UFMG levou jogos científicos e equipamentos para a concentração, como óculos de realidade virtual. “Nosso objetivo é mostrar que a ciência está no dia a dia das pessoas, está no que elas comem, vestem, nas suas relações cotidianas. Queremos estimular que elas façam uma reflexão sobre como esse conhecimento é produzido e o que é necessário para que seja produzido”, explicou a diretora da Escola de Educação Básica e Profissional da UFMG e coordenadora do museu, Tânia Costa.
Pós-graduação mobilizada
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) foram duas das organizações mobilizadoras da Marcha pela Ciência em Belo Horizonte. A ANPG assina o Manifesto pela Ciência Brasileira, no qual denuncia os ataques que a ciência vem sofrendo nos últimos anos no Brasil, como o contingenciamento de 44% do orçamento previsto para o MCTIC em 2017, anunciado em 30 de março. “Ressalta-se também como alarmante a não garantia de mais de R$ 640 milhões para o pagamento de bolsas de estudo no ano de 2017, pois sua fonte de pagamento está condicionada à arrecadação”, diz o manifesto.
Coordenador do Fórum de Divulgação Científica da ANPG, Phillipe Pessoa destacou a importante participação de jovens pesquisadores no crescimento da pesquisa brasileira nos últimos anos, traduzida no expressivo aumento do número de publicações de artigos em revistas científicas.
“Os pós-graduandos vivem numa situação de fragilidade que os coloca em grupos de risco para adoecimento mental, pois não têm garantia do pagamento das bolsas, não estão inscritos no sistema de seguridade social, nossas bolsas não têm reajuste para recomposição das perdas orçamentárias. Encerramos nossa trajetória como estudantes por volta dos 30 anos e até então não estamos formalmente inscritos na Previdência. Tudo isso desestimula o investimento na carreira acadêmica”, ressalta, destacando, entretanto, que não se trata apenas de discutir a qualidade de vida dos pós-graduandos, mas “a qualidade de vida do país, já que a ciência é estratégica e deve ser acessível a todos”.
March for Science
Ao redor do mundo, a March for Science foi registrada em mais de 400 cidades, com pautas locais. Nos Estados Unidos, origem do movimento, o alvo foram os cortes no financiamento da pesquisa anunciados pelo presidente Donald Trump. A proposta é cortar 900 milhões de dólares (20%) do orçamento do Department of Energy's (DOE's) Office of Science, principal financiador da pesquisa produzida nas universidades americanas. Há previsão de cortes de 296 milhões de dólares dos orçamentos do National Endowment for the Arts e do National Endowment for the Humanities, além de 230 milhões de dólares do Institute of Museum and Library Services. A guinada “agressivamente anticientífica, criacionista e negacionista climática” do presidente norte-americano também foi citada como motivadora da marcha em cidades como Washington DC, Houston e Nova York.
Segundo o comunicado público da March for Science, o objetivo é manter a mobilização, defendendo uma “ciência financiada publicamente e a sua comunicação efetiva à sociedade, como um pilar fundamental da liberdade e da prosperidade. Apelamos a uma união entre cientistas e não cientistas, baseada na diversidade e independente de partidos políticos, para juntos defendermos a importância da ciência como veículo de promoção e desenvolvimento do bem-comum".