Pesquisa e Inovação

SBI sustenta que é precoce recomendar uso da cloroquina contra Covid-19

Parecer da Sociedade Brasileira de Imunologia mostra que terapias com o medicamento trouxe até agora resultados pouco promissores, além de provocar efeitos colaterais

Eficiência da cloroquina no tratamento da Covid-19 não foi ratificada pelos estudos científicos já realizados
Eficiência da cloroquina no tratamento da Covid-19 não foi ratificada pelos estudos científicos já realizados Ascom / SES / Rádio Senado

Em parecer científico divulgado nesta segunda-feira, dia 18, a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) defende que é necessário aguardar resultados de estudos randomizados multicêntricos em andamento para se ter uma conclusão mais segura sobre o uso da cloroquina e suas associações no tratamento da Covid-19. O documento é assinado por 22 especialistas da entidade, entre eles três professores da UFMG: Ricardo Gazzinelli, presidente da SBI, Ana Caetano e Gustavo Menezes, todos vinculados ao ICB.

A recomendação é baseada em análise de uma série de estudos realizados recentemente pela comunidade científica internacional. Desenvolvido na França, um dos primeiros ensaios com proposta terapêutica para a infecção mostrou que a associação entre hidroxicloroquina e azitromicina resultou em uma diminuição da carga viral em pacientes tratados com esses dois fármacos. “Entretanto, esse estudo apresenta um grupo muito restrito de pacientes, com um total de 36 pacientes avaliados em três braços de tratamento. É uma amostragem pequena e sem grupo controle para comprovar qualquer resultado definitivo”, ressaltam os autores do parecer.

Os pesquisadores também se debruçaram sobre estudos mais recentes e abrangentes que indicam resultados pouco promissores. Eles lembram, por exemplo, que, em ensaio retrospectivo multicêntrico de coorte, foram avaliados 1.438 pacientes com confirmação laboratorial de infecção por SARS-CoV-2 admitidos em 25 hospitais do estado de Nova York, nos EUA. O ensaio contou com quatro braços de tratamento (hidroxicloroquina e azitromicina, hidroxicloroquina, azitromicina e sem uso desses dois fármacos). 

Inicialmente, o experimento revelou que os pacientes que receberam a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina apresentaram maior incidência de falência cardíaca quando comparado com o grupo sem tratamento. Também não houve redução significativa da mortalidade quando avaliados os grupos de pacientes que receberem hidroxicloroquina, azitromicina ou ambos os fármacos em associação em comparação com o grupo sem tratamento.

Intubação e óbito
Também realizado em Nova York, outro estudo com 1.376 pacientes hospitalizados com Covid-19 analisou a necessidade de intubação orotraqueal e óbito em dois braços, com ou sem tratamento com hidroxicloroquina. “Esse estudo mostrou que a introdução do tratamento com hidroxicloroquina não foi associada com a diminuição ou aumento do risco de intubação ou óbito quando comparado com os pacientes que não receberam esse fármaco”, afirmam os pesquisadores brasileiros, ressaltando, ainda, que os próprios autores afirmam que são necessários estudos randomizados para uma melhor conclusão quanto a eficácia dessa terapia.

Os pesquisadores também descartam a tese de que a “Covid-19 é uma doença de fácil tratamento”. Segundo o grupo, esse posicionamento não apenas carece de evidência científica como ganhou uma dimensão política inesperada. “Nenhum cientista é contra qualquer tipo de tratamento, somos todos a favor de encontrar o melhor tratamento possível, mas sempre com bases em evidências científicas sólidas”, sustentam.

Na conclusão do parecer, os especialistas da SBI defendem o investimento na pesquisa de outras possibilidades terapêuticas "para que tenhamos um maior número de terapias com potencial efetivo no tratamento da Covid-19" e afirmam que o isolamento social é a melhor medida de prevenção até o surgimento de vacina e tratamentos de comprovada eficácia e segurança. "Dados colhidos em vários países do mundo mostram que esta é a única medida efetiva para desacelerar as curvas de crescimento dessa infecção", analisam.

Leia o documento em formato PDF:


Estudos na UFMG
Dois estudos coordenados pela UFMG pretendem avaliar a eficácia do uso da cloroquina em tratamentos contra a infecção causada pelo novo coronavírus. Um deles, com o objetivo de identificar a capacidade preventiva do fármaco, é realizado com 660 profissionais de saúde, entre médicos, enfermeiros, técnicos e fisioterapeutas, de quatro unidades da capital: Hospital das Clínicas (HC) da UFMG, Hospital Eduardo de Menezes, vinculado à Fhemig, e os hospitais municipais Odilon Behrens e Metropolitano Célio de Castro.

O outro ensaio, feito com pacientes voluntários do Hospital das Clínicas da UFMG, analisa não só o uso da cloroquina no tratamento da doença, mas também de outros fármacos e associações: remdesivir, lopinavir/ritonavir monoterapia ou a combinação lopinavir/ritonavir associada ao Interferon beta-1a no combate à doença. Esse estudo integra a Solidarity, iniciativa global lançada pela Organização Mundial de Saúde que prioriza pacientes hospitalizados e o teste com medicamentos já conhecidos da comunidade médica.