‘Startup’ recorre à inteligência artificial para reviver expressão criativa do músico Sabotage
Pesquisa realizada no Departamento de Ciência da Computação da UFMG resultou no primeiro rap da história composto com a colaboração de inteligência artificial. Em uma parceria da startup Kunumi com o Spotify, letras e manuscritos deixados pelo cantor e compositor Sabotage (1973-2003) foram analisados por inteligência artificial, que criou a partir desses originais uma série de versos que emulam a voz discursiva do rapper. O resultado é a música Neural, que integra álbum póstumo do músico, lançado em outubro deste ano, com 11 canções inéditas.
A tecnologia utilizada para compor o rap é o aprendizado de máquina, subárea da inteligência artificial que permite que o computador decifre problemas novos a partir de padrões identificados em problemas semelhantes. Trata-se de um processo análogo ao aprendizado de uma criança – referência que está no nome da Kunumi, do tupi-guarani “menino”. A autonomia das redes para lidar com o inesperado representa uma quebra de paradigma das ciências computacionais, que tradicionalmente detalham o passo a passo de uma tarefa para a máquina.
No processo de criação de Neural, os versos gerados via inteligência artificial passaram pelo crivo de familiares, colegas e amigos de Sabotage, a fim de favorecer a aproximação entre a letra e a expressão artística do rapper. O processo de produção da música pode ser acompanhado em minidocumentário produzido pelo serviço de streaming Spotify (assista acima).
Outras aplicações
A simulação do gênio criativo de um artista é apenas um dos muitos usos decorrentes do aprendizado de máquina. “É possível alimentar as redes neurais com pixels, imagens, sons, caracteres, palavras, sentenças, texto. Praticamente qualquer formato é aceito para a representação de dados”, afirma o professor Nivio Ziviani, emérito do Departamento de Ciência da Computação e presidente do Conselho de Tecnologia da Kunumi. Segundo ele, a tecnologia também é aplicável a uma variedade de segmentos e problemas – desde a descrição de uma imagem até a melhoria da qualidade de vida de uma população.
Ziviani cita o exemplo dos carros autônomos, que começam a se tornar realidade nas ruas de cidades europeias. Por trás dos veículos, existem redes treinadas com milhões de imagens de elementos relacionados ao trânsito – pedestres, placas de rua, semáforos, ciclistas, motoristas, entre outros. Ao ser confrontada com uma nova situação, a máquina cruza os dados da imagem com as informações apreendidas anteriormente e toma decisões com alto grau de confiabilidade.
A parceria da Kunumi com o Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, centro de referência em saúde na América Latina, é outro exemplo que demonstra a versatilidade da tecnologia. No projeto, o aprendizado de máquina é aplicado ao tratamento de dados da Unidade de Terapia Intensiva a fim de priorizar a internação em casos de maior risco, otimizando o atendimento do hospital.
A máquina, alimentada com dados pré-UTI e da primeira hora do paciente na unidade, gera predições de probabilidade de óbito dos indivíduos 27% mais precisas do que a métrica estatística adotada anteriormente, a SAPS 3. “Trata-se de um ganho extraordinário para a área médica. Qualquer ganho de 1%, 2% ou 3% já é considerado muito importante”, avalia Ziviani.
Parceria com a UFMG
A Kunumi está na terceira geração de empresas de inovação nascidas do Departamento de Ciência da Computação da UFMG. Os protótipos de tecnologia desenvolvidos no Laboratório para Tratamento da Informação (Latin), coordenado por Ziviani, já deram origem a dois outros empreendimentos: a Miner Technology Group, criada em 1998, e a Akwan Information Technologies, fundada em 2000. Especializadas em ferramentas de busca na Web, as empresas foram adquiridas, respectivamente, pelo Grupo Folha de São Paulo/UOL, em 1999, e pelo Google Inc., em 2005.
No caso da Kunumi, fundada neste ano, com sede no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-Tec), a UFMG entra como sócia no modelo de usufruto de ações, que possibilita sua participação nos lucros e transfere sua propriedade intelectual para a empresa. Na prática, a Universidade exerce todos os direitos de um acionista, exceto o de voto – ou seja, não interfere na gestão da startup. O arranjo segue modelo comum em instituições estrangeiras, como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
Para Ziviani, iniciativas do gênero ajudam a impulsionar a geração de riqueza por meio da inovação e fixam pesquisadores brasileiros no país. “No Brasil, pesquisa e inovação estão concentradas nas universidades públicas e institutos de pesquisa, que têm dificuldades de empreender e aplicar seus conhecimentos no mercado.” A saída, em sua visão, seria associar os grupos de pesquisa à criação de empregos, comercializando tecnologias competitivas de ponta, como é o caso do aprendizado de máquina.