Telemedicina barateia rastreio da cegueira causada pelo diabetes
Pesquisa da Faculdade de Medicina mostra que uso das tecnologias da informação amplia acesso à saúde e favorece o diagnóstico precoce e a redução de casos graves
Cada vez mais presente no Sistema Único de Saúde (SUS), a telemedicina pode tornar o rastreio da retinopatia diabética (complicação silenciosa do diabetes mellitus que, em casos graves, leva à cegueira) até 94% mais econômico para os cofres públicos. Essa é uma das conclusões da dissertação de mestrado Teleoftalmologia no rastreamento da retinopatia diabética, defendida no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde – Infectologia e Medicina Tropical da Faculdade de Medicina.
Outros benefícios identificados foram a ampliação do acesso à saúde em regiões distantes dos grandes centros (que concentram especialistas), diagnóstico precoce e diminuição de casos graves, que resultou na melhoria da qualidade de vida dos diabéticos.
Segundo a autora do trabalho, Grazielle Fialho de Souza, os pacientes que chegam ao serviço especializado já estão com grande risco de comprometimento da visão. “Muitos não fizeram nenhuma avaliação antes de perder a visão. Nosso desejo é que pacientes não cheguem com quadros tão graves, já que a retinopatia é prevenível, pode ser controlada e até regredir quando o diagnóstico é precoce”, explica.
Entendendo a economia
A pesquisa teve duas fases. Na primeira, foram analisados os custos envolvidos em consultas presenciais com oftalmologista para moradores de Viçosa, na região da Zona da Mata de Minas Gerais, o que exige estrutura física de consultórios e deslocamentos até Juiz de Fora ou Belo Horizonte. Esse valor foi comparado com o uso da teleoftalmologia. Profissionais locais foram treinados pela equipe da pesquisa e realizaram exames para triagem dos pacientes diabéticos da região. Os resultados foram analisados no Hospital das Clínicas (HC) da UFMG, que emitiu laudos.
O transporte para cada exame presencial custou, em média, 30,48 dólares (moeda adotada como padrão internacional para possibilitar comparações), enquanto o custo para pacientes atendidos por teleoftalmologia foi de 1,72 dólar. A economia é de 28,76 dólares por paciente, ou seja, é 94% mais barato. Do total, 67% dos pacientes não precisaram de encaminhamento para avaliação presencial.
Dos 1.331 diabéticos avaliados em Viçosa e Santo Antônio do Monte, na região Centro-oeste mineira), 29,6% apresentaram algum grau de retinopatia diabética; 2% já chegaram com quadros graves. Os dados foram coletados entre fevereiro de 2015 e janeiro de 2017, e os resultados, publicados no periódico Mary Ann Liebert, Inc.
Na segunda fase, pacientes da macrorregião de Teófilo Otoni (Vale do Mucuri, também em Minas Gerais) consultaram-se igualmente por meio de teleoftalmologia, porém com a utilização de dois tipos de retinógrafos, um convencional e outro portátil. Essa etapa começou em abril de 2018 e foi interrompida pela pandemia de covid-19. Até então, haviam sido avaliados 384 diabéticos. “Mais de 40% dos pacientes tinham hemoglobina glicada muito alta, e 53% nunca fizeram avaliação oftalmológica. A indicação, no caso do diabetes tipo 2, é que essa avaliação seja feita logo após o diagnóstico, com acompanhamento anual”, afirma Grazielle Fialho.
O estudo encontrou também outras doenças nessa população – 24% tinham catarata, e 18%, suspeita de glaucoma. A expectativa é seguir essa fase para avaliar a viabilidade do aparelho portátil e incorporar tecnologias mais modernas e de menor custo.
Grazielle atua desde 2015 no corpo clínico do Hospital São Geraldo e no Centro de Telessaúde do HC. “O número de casos de diabetes tem aumentado. Trata-se de uma doença com grande impacto social e econômico. Queremos aumentar o acesso para as pessoas que precisam da avaliação, reduzir o tempo de espera, realizar o diagnóstico e tratamento precoces a fim de se evitar a cegueira", enumera.
O orientador da pesquisa, Daniel Vitor Vasconcelos, professor e subchefe do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina, observa que o uso da telessaúde aumentou nos últimos meses em razão da necessidade gerada pela pandemia. O mesmo movimento deve ser observado em relação à teleoftalmologia. “Outra realidade também promissora nesse contexto é a inteligência artificial, potencialmente muito útil na análise de grandes bases de dados e de imagens”, sugere Vasconcelos.
Retinopatia alcança 20% dos diabéticos
A retinopatia diabética é uma complicação ocular do diabetes mellitus. “É uma alteração microvascular associada ao pior controle e ao maior tempo da doença. É identificada quando se realiza o exame de fundo de olho”, explica Grazielle.
A literatura médica mostra que mais de 20% das pessoas com diabetes desenvolvem essa complicação, mais frequente entre mulheres e idosos. O principal sintoma é a piora da visão. Assim como quase todas as complicações do diabetes, as alterações iniciais da doença são assintomáticas – daí a necessidade de acompanhamento sistemático. “Todos os pacientes diabéticos devem fazer rastreamento para retinopatia”, orienta a autora.
De acordo com o Atlas do Diabetes, da Federação Internacional do Diabetes (IFD), existem de 15 a 18 milhões de pessoas com a doença no Brasil. Estudo da própria entidade projeta que esse número chegue a 21,5 milhões em 2030 e a 26 milhões em 2045.
A teleoftalmologia foi adotada inicialmente no Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas por meio de projeto de pesquisa financiado pela Fapemig. “Como os resultados desse projeto foram muito promissores, houve então a implementação de um serviço que atende a consórcios de saúde no interior do estado, mas com enorme potencial de expansão”, lembra o professor Daniel Vasconcelos.
Dissertação: Teleoftalmologia no rastreamento da retinopatia diabética
Autora: Grazielle Fialho de Souza
Programa: Pós-graduação em Ciências da Saúde – Infectologia e Medicina Tropical
Orientador: Daniel Vitor de Vasconcelos Santos
Defesa: 29 de dezembro de 2020