Coberturas especiais

Comunidade do ICA discute tabus associados ao sofrimento mental

Professora do Departamento de Psicologia da UFMG também abordou os retrocessos que ameaçam a reforma psiquiátrica brasileira

Participantes da roda de conversa compartilharam experiências
Participantes da roda de conversa compartilharam experiências Amanda Lelis / UFMG

Estratégias para identificar sintomas de sofrimento mental e encaminhar casos para atendimento especializado e o suporte que a Universidade pode oferecer à comunidade acadêmica foram abordados na roda de conversas Vida acadêmica e saúde mental, na manhã desta terça-feira, dia 15, no salão do bloco A. A atividade foi mediada por Gislene Alves, psiquiatra no Hospital Universitário Clemente de Faria (HUCF), da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), e por Thiago Sampaio, residente em saúde da família.

Cerca de 120 pessoas participaram do encontro. Parte delas compartilhou experiências e discutiu caminhos para melhorar o relacionamento e a lida com a rotina universitária. Um dos pontos abordados foi a tabu social em relação ao sofrimento mental. “É importante não estigmatizar quem está passando por um sofrimento mental. É incrível saber que tem tanta gente precisando e não procura ajuda. Precisamos romper com esses preconceitos sobre problemas de saúde mental e estes estigmas”, comentou Thiago.

Gislene enfatizou a importância da empatia e da paciência ao lidar com o outro. “Temos que aprender com as pessoas e entender que falhamos. Ninguém escolhe ter transtorno de ansiedade ou depressão. É importante respeitar a condição de cada pessoa. Certamente, haverá situações que não estão sob nosso controle. Mas saber ouvir sempre ajuda. Muitas vezes, a própria pessoa não sabe que está doente. Estar disponível e escutar a perspectiva do outro ajuda”, disse Gislene.

Regressão de direitos
Na noite de segunda-feira, logo após a abertura oficial da Semana de Saúde Mental, a professora Cláudia Penido, do Departamento de Psicologia da UFMG, ministrou a palestra Regressão de direitos: o atual desafio da saúde mental no Brasil. Ela fez uma contextualização histórica da percepção, dos estudos e das políticas com foco na saúde mental no mundo, além dos avanços e retrocessos no Brasil.

Segundo ela, a Constituição Federal de 1988 foi um divisor de águas na garantia de direitos, inclusive no campo da saúde psiquiátrica. Cláudia Penido citou Minas Gerais como um estado pioneiro na reforma psiquiátrica por ter adotado, nos anos 1990, leis específicas que dispuseram sobre a promoção da saúde e da reintegração social do portador de sofrimento mental, sobre a implantação serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos e sua extinção, entre outros instrumentos. “Minas Gerais tinha suas legislações antes mesmo da reforma psiquiátrica ser aprovada nacionalmente. Em linhas gerais, a rede de serviços substitutiva e de cuidados proposta em Minas é pautada pelo respeito à dignidade e à liberdade das pessoas em sofrimento mental”, afirmou a professora.

Cláudia Penido:
Cláudia Penido: perspectivas sombriasAmanda Lelis / UFMG

No entanto, os avanços registrados nas últimas décadas estão ameaçados, na avaliação da docente do Departamento de Psicologia. Entre os principais retrocessos, ela cita a extinção de mecanismos legais que possibilitam transferir recursos dos manicômios para os novos serviços comunitários, o reajuste dos repasses aos manicômios sem reajustar qualquer tipo de serviço de base comunitária e retorno dos ambulatórios de saúde mental, sobrepostos aos serviços comunitários existentes. Ela também mencionou a destinação de R$120 milhões para comunidades terapêuticas que atendem dependentes químicos. Há, segundo ela, uma série de denúncias de maus tratos e violação de direitos contra essas instituições que, em sua maioria, são de cunho religioso, o que vai contra o princípio do Estado laico.

“Não é possível deixar de mencionar as perspectivas sombrias que nos espreitam em relação à própria saúde coletiva. No ano passado, fomos surpreendidos por uma portaria que promove uma ruptura radical com a política de saúde mental conduzida desde a lei de 2001”, protestou.  

Programação
A Semana da Saúde Mental continua até sexta-feira, com atividades nos campi de Belo Horizonte e de Montes Claros. No Instituto de Ciências Agrárias (ICA), o próximo evento será realizado no dia 18, data em que se comemora o Dia da Luta Antimanicomial. Das 19 às 22h, o Grupo de Estudos Provocações Psicológicas promoverá o encontro (Des)Montes Claros: a memória em tempos de loucura. O grupo é formado por representantes de diferentes instituições e visa promover a aproximação entre estudantes e profissionais da área na busca pelo conhecimento em psicologia. O evento é aberto ao público e haverá emissão de certificados, com o pagamento de taxa de R$10. A inscrição de profissionais da área deve ser realizada pelo site do grupo.

A programação da Semana de Saúde Mental pode ser consultada no site do evento.

Amanda Lelis / Cedecom Montes Claros