CTVacinas avança mais uma etapa no desenvolvimento da SpiN-Tec
Vacina contra a covid-19 poderá ser o primeiro imunizante humano com tecnologia e insumos totalmente desenvolvidos no Brasil
O Brasil está cada vez mais perto de ter a primeira vacina humana 100% nacional. Trata-se da SpiN-Tec, imunizante contra a covid-19 desenvolvido pelo CTVacinas da UFMG em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz MG). O artigo Promotion of neutralizing antibody-independent immunity to wild-type and Sars-CoV-2 variants of concern using an RBD-Nucleocapsid fusion protein, que acaba de ser publicado na Nature Communications, mostra que os trabalhos para o desenvolvimento da vacina avançaram. No artigo, os pesquisadores provam que a proteína SpiN, o insumo farmacologicamente ativo (IFA) da SpiN-Tec, vacina totalmente desenvolvida e produzida no Brasil, induz a uma resposta robusta dos linfócitos-T contra as variantes tradicionais e ômicron do Sars-CoV-2.
Algumas pessoas podem se perguntar qual a necessidade de desenvolver uma vacina para a covid-19, visto que já existem imunizantes para a doença. O professor Ricardo Gazzinelli, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB e coordenador do CTVacinas, explica que o problema da vacina contra o Sars-CoV-2 não está resolvido. Segundo ele, os produtos atualmente disponíveis precisam ser melhorados em diversos aspectos, como custos, estabilidade e eficácia.
"Já existem trabalhos mostrando que a resposta das vacinas atuais contra a variante ômicron é pouco efetiva, daí a importância de desenvolvermos novas soluções que ataquem esta e outras variantes. Além disso, a SpiN-Tec tem custo baixo e alta estabilidade. As vacinas atuais que usam RNA precisam ser congeladas a baixas temperaturas, o que dificulta o transporte e distribuição dos imunizantes. A vacina da UFMG pode ser mantida em temperatura ambiente por vários dias, o que facilita a distribuição para lugares longínquos", explica.
O pesquisador acrescenta que o mecanismo de ação da proteína SpiN na indução da resposta imunológica faz com com que a SpiN-Tec possa ser mais efetiva contra variantes, como a ômicron, por exemplo. "As vacinas de covid-19 em uso atualmente geram respostas de anticorpos neutralizantes. Já a SpiN-Tec foi desenvolvida para induzir, além dos anticorpos, uma resposta dos linfócitos-T proeminente, ou seja, ela gera uma resposta contra várias partes da molécula do vírus, e não apenas contra um de seus segmentos, como é o caso dos anticorpos neutralizantes, dificultando assim o escape imunológico do Sars-CoV-2."
A SpiN-Tec poderá ser a primeira vacina humana 100% desenvolvida e produzida no país, o que põe o Brasil em posição de destaque nas pesquisas sobre imunizantes no cenário internacional, além de deixar legado importante para o desenvolvimento de imunizantes para outras doenças. Isso ocorre porque as tecnologias desenvolvidas durante os trabalhos com a SpiN-Tec podem ser adaptadas para vacinas que combatem outros patógenos.
"O Brasil nunca teve uma vacina totalmente desenvolvida aqui, para uma doença humana. Todas as vacinas distribuídas hoje pelo Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde (MS) são oriundas de transferências de tecnologia. Então um imunizante nacional terá um custo mais barato para o país, além de provar a nossa capacitação tecnológica. As vacinas existentes precisam evoluir e melhorar, mas é importante que a tecnologia aprendida também gere frutos para a prevenção de outras doenças. Nosso projeto é importante porque também faz a transposição do conhecimento produzido na universidade até a sociedade, indo da prova conceito até o ensaio clínico", diz Gazzinelli.
Quimera
A pesquisadora, Natália Salazar, do CTVacinas, explica que a SpiN-Tec é feita com a proteína recombinante aliada a um adjuvante, espécie de insumo que potencializa a resposta imune do corpo humano ao antígeno. A pesquisa que propiciou o desenvolvimento da vacina baseou-se na modificação genética da bactéria E.coli, que recebeu pedaços do genoma do Sars-Cov-2 para que fosse possível produzir as duas proteínas majoritárias do coronavírus, as proteínas Spike (S) e nucleocapsideo (N). O composto, chamado de "quimera", pode então ser injetado no corpo humano e induzir a resposta imune.
"Antes da pandemia, já trabalhávamos com essa tecnologia de vacina aplicada a outras doenças, como a leishmaniose e chagas. A urgência provocada pelo aparecimento da covid-19 nos ajudou a desenvolver essa solução o mais rapidamente possível. Usamos uma tecnologia já conhecida para desenvolver a vacina contra uma doença que então surgia", diz Salazar.
A pesquisadora salienta que o artigo demonstra a eficácia e o poder de proteção da vacina. Ela ressalta também a importância de o CTVacinas ter trabalhado para comprovar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) suas boas práticas de laboratório. "Trabalhamos muito para que a Anvisa aprovasse o controle de qualidade do produto final, que é a vacina, e do IFA, que é o insumo farmacêutico ativo. O IFA é a base da vacina, o seu principal componente, que no caso da SpiN-Tec é um 'pedaço' do vírus – a proteína quimera SpiN. O IFA é o alvo da resposta imune do organismo e geralmente é importado, mas, nesse caso, está sendo produzido por nós no Brasil", conta.
Próximas etapas
"Os testes da covid-19 grave e moderada já foram feitos em camundongos e hamsters. Nos testes com os camundongos, confirmou-se proteção para carga viral e para patologia pulmonar", conta a pesquisadora Natália Salazar. Como os testes em animais já foram realizados, a próxima etapa visa aos testes em humanos. A vacina da UFMG já foi aprovada pelo Conselho de Ética de Experimentação Humana (CEP) da própria Universidade e pelo Conselho Nacional de Ética de Experimentação Humana (Conep) do Ministério da Saúde, que é a instância máxima de avaliação ética em protocolos de pesquisa com seres humanos. A aprovação por todas essas instâncias permite que estes testes sejam iniciados.
Além disso, o CTVacinas recebeu recentemente a certificação Boas Práticas de Laboratório (BPL) do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), um passo importante para o desenvolvimento de novas vacinas no CTVacinas e no Brasil. "Acabamos de fazer testes pré-clínicos que mostraram a eficácia e a segurança da SpiN-Tec. Estamos terminando de responder às últimas exigências da Anvisa relacionadas à pureza e estabilidade da vacina, e então poderemos realizar os testes em humanos. A primeira fase será com um número restrito de pessoas e, posteriormente, serão feitos testes com milhares de voluntários. A expectativa é que os testes com humanos ocorram ainda este ano", conclui Natália Salazar.
Os trabalhos são fruto de parceria de pesquisadores do CTVacinas, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e da Faculdade de Farmácia da UFMG, da Fundação Ezequiel Dias (Funed), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz/MG) e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Alunos de pós-graduação também estiveram envolvidos nos trabalhos, que contaram com apoio financeiro da Prefeitura de Belo Horizonte, do Governo de Minas Gerais, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, do Congresso Nacional e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
O CTVacinas também realiza pesquisas avançadas para o desenvolvimento de vacinas contra a malária e contra a leishmaniose, além de estar iniciando os estudos para um imunizante contra a monkeypox.
Artigo: Promotion of neutralizing antibody-independent immunity to wild-type and Sars-CoV-2 variants of concern using an RBD-Nucleocapsid fusion protein
Autores: Julia T. Castro, Patrick Azevedo, Marcílio J. Fumagalli, Natalia S. Hojo-Souza, Natalia Salazar, Gregório G. Almeida, Livia I. Oliveira, Lídia Faustino, Lis R. Antonelli, Tomas G. Marçal, Marconi Augusto, Bruno Valiate, Alex Fiorini, Bruna Rattis, Simone G. Ramos, Mariela Piccin, Osvaldo Campos Nonato, Luciana Benevides, Rubens Magalhães, Bruno Cassaro, Gabriela Burle, Daniel Doro, Jorge Kalil, Edson Durigon, Andrés Salazar, Otávia Caballero, Helton Santiago, Alexandre Machado, João S. Silva, Flávio da Fonseca, Ana Paula Fernandes, Santuza R. Teixeira e Ricardo T. Gazzinelli
Publicado na Nature Communications e disponível online.