Pesquisa e Inovação

Dia de atividades vai chamar a atenção para o vírus HTLV

Retrovírus da mesma família do HIV pode causar leucemia/linfoma e mielopatia; evento será no dia 10, na Faculdade de Medicina

Professora Edel Satancili e estudantes:
Professora Edel Stancioli e estudantes: teste diagnóstico patenteadoJúlia Duarte / UFMG

A Faculdade de Medicina da UFMG vai abrigar, no próximo sábado, dia 10, atividades do Dia Mundial do HTLV. Pesquisadores, médicos, pacientes e seus familiares estarão reunidos para trocar informações e chamar a atenção para a ação desse retrovírus da mesma família do HIV/Aids. O HTLV-1 pode causar doença neurodegenerativa/desmielinizante e leucemia/linfoma, e o HTLV-2, embora tenha em geral consequências bem menos graves, pode induzir a síndrome desmielinizante (doença que provoca fraqueza nas pernas, acarretando em dificuldade para andar e podendo levar à paralisia). O evento, das 9h às 13h, terá palestras curtas sobre a epidemiologia do vírus, avanços da ciência e relatos de pacientes.

O HTLV, em suas duas formas, infecta células do sistema imune e pode ser transmitido por meio de amamentação, transfusão de sangue, transplante de órgãos e uso de drogas ilegais injetáveis. Como o vírus é muito pouco conhecido por médicos e outros agentes de saúde, geralmente suas consequências não são tratadas desde o início, o que impede medidas mais eficazes de redução do sofrimento dos pacientes.

A UFMG estuda o vírus há mais de duas décadas e integra o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em HTLV, formado ainda por Fundação Hemominas, Fiocruz/René Rachou, Hospital Eduardo de Menezes, da Fhemig, e Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Virologistas, biólogos, neurologistas, dermatologistas, entre outros profissionais e pesquisadores, estudam dados epidemiológicos – com foco em grávidas e pacientes dermatológicos, por exemplo –, buscam marcadores de diagnóstico e prognóstico (relativos à passagem de assintomático para doente) e a interação do vírus com as mulheres (elas são infectadas por homens mais facilmente que o contrário e adoecem muito mais que eles).

Além de numerosas teses e dissertações, os estudos da UFMG já geraram patente de teste diagnóstico, com financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), que está sendo licenciada para empresa mineira. Ainda este ano, deverá ser patenteada uma vacina terapêutica. A ação do HTLV, assim como acontece com o HIV, ainda não pode ser evitada, mas medicações paliativas e fisioterapia têm sido desenvolvidas contra alguns sintomas.

De célula para célula
O retrovírus foi descrito antes do HIV, em 1977, depois de isolado no Japão. Segundo a professora Edel Barbosa Stancioli, coordenadora do Laboratório de Virologia Básica e Aplicada do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), os retrovírus têm uma forma peculiar de interagir com o hospedeiro. “O vírus insere seu genoma no genoma da célula hospedeira, e a infecção é para o resto da vida”, diz Edel.

Enquanto o HIV circula no sangue e se multiplica quando a imunidade baixa, o HTLV não cai na corrente sanguínea, mas passa de uma célula a outra. “O HIV é tratado quando está em grande quantidade, e o HTLV não tem tratamento. Os antirretrovirais do HIV não têm efeito. Nós, na UFMG, e outros grupos testamos produtos naturais que possibilitam pequena melhora do sistema imune, mas ainda não há como bloquear o vírus”, explica a professora do ICB.

O HTLV-1 circula mais na África, América Latina e em países como Japão, China e Austrália. Se a prevalência é mais alta no Japão, o Brasil é o campeão em números absolutos. Estima-se que haja entre cinco e dez milhões de infectados no mundo, e no Brasil seriam 2,5 milhões. “Como há muito pouca informação sobre o vírus, esses números são obtidos por projeções matemáticas”, diz Edel Stancioli.

Edel informa que apenas cerca de 5% dos infectados desenvolvem um dos dois polos principais de doenças – leucemia/linfoma das células T de adulto e a mielopatia associada ao HTLV, em que o vírus ataca a medula. Mas ressalva que há intercorrências de adoecimento graves, como uma dermatite difícil de tratar. O HTLV-2, por sua vez, infecta cerca de 200 mil pessoas no Brasil, com prevalência maior em grupos como indígenas e usuários de drogas injetáveis.

Ambulatório
Também há mais de 20 anos, o HTLV é tema de estudos no âmbito da pós-graduação em Infectologia e Medicina Tropical, da Faculdade de Medicina da UFMG, sob coordenação da professora Denise Utsch Gonçalves. E desde abril deste ano, o projeto de extensão Cuidar HTLV oferece assistência e educação em saúde a pacientes e familiares, no Centro de Tratamento e Referências em Doenças Infectocontagiosas Orestes Diniz. “Os pacientes trazem suas dúvidas e dificuldades e encontram-se com certa frequência, o que estimula a identidade de grupo e favorece o aprendizado”, conta a infectologista e professora Julia Caporali, que coordena o projeto.

Os pacientes assintomáticos recebem orientações relacionadas à prevenção e apoio para proteção contra o estigma. Aqueles que apresentam a mielite associada ao HTLV – que causa problemas motores, retenção urinária e intestinal e dores nas costas e membros, entre outros problemas – recebem os cuidados específicos no próprio ambulatório. E os que desenvolveram leucemia ou linfoma são encaminhados para o Hospital das Clínicas da UFMG.

Força-tarefa
De acordo com Edel Stancioli, o HTLV e suas consequências são negligenciadas. “Nem a Organização Mundial de Saúde lida com o assunto da forma como deveria. Não se conhecem números, há pouquíssimos ambulatórios, os testes diagnósticos ainda são importados. Os sintomas causam sofrimento e péssima qualidade de vida. Essa falta de conhecimento dificulta muito que as patologias tenham seus sintomas atenuados desde o início.”

Uma boa notícia é que, há cerca de três ou quatro anos, entrou em ação uma força-tarefa de âmbito mundial que persegue metas como a expansão do conhecimento sobre prevalência, produção de testes diagnósticos em cada país – como forma de reduzir custos – e a produção e vacinas destinadas a bloquear a progressão do vírus nas pessoas infectadas.

A programação e o formulário de inscrição para o Dia Mundial do HTLV estão disponíveis em site específico.

Itamar Rigueira Jr.