Pesquisa e Inovação

Tese analisa discurso científico que permeia conflito gerado pelo rompimento de Fundão

Empresas e órgãos envolvidos nas reparações usam laudos, relatórios e pareceres como instrumentos de controle dos atingidos

Rua em Barra Langa, cidade afetada pelo rompimento da barragem de Fundão
Rua em Barra Longa, cidade afetada pelo rompimento da barragem de Fundão Antônio Cruz | Agência Brasil | Fotos Públicas

A “ciência semicolonial”, que permeia os conflitos resultantes do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015, e, mais recentemente, em Brumadinho, caracteriza os laudos, relatórios, pareceres e o próprio discurso dirigido aos atingidos. Em vez de esclarecer ações e providências, eles acabam funcionando como “instrumentos de manipulação e controle por parte dos agentes responsáveis pelas partes envolvidas”.

A análise é feita pelo pesquisador Marcos Moraes Calazans, autor de tese defendida neste ano, na Universidade de Alicante, na Espanha, em regime de cotutela com a Faculdade de Educação. De acordo com ele, o debate sobre as causas do rompimento da barragem de Fundão e sobre o próprio processo de reparação dos danos e indenização dos atingidos tem suscitado explicações técnico-científicas. Durante mais de um ano, Calazans, que é professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Ouro Preto, analisou relatórios, laudos técnicos e pareceres elaborados tanto pelas empresas Samarco, Vale e BHP quanto por órgãos públicos e diversas instituições, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) e o Ministério Público. Ele também acompanhou reuniões com os atingidos e liderou um projeto de extensão, no município de Barra Longa, onde colheu depoimentos e opiniões da população sobre o que sabiam do processo de mineração e o discurso científico apresentado pelas empresas.

“Percebi que as práticas e o discurso científico utilizados pelas mineradoras passaram a ser instrumento para controlar as opiniões e estabelecer parâmetros de maneira que os atingidos não conseguiam entender e impor seus interesses no processo de reparação dos danos. A cientificidade do conflito foi usada como instrumento de manipulação e dominação", afirma Calazans. 

O trabalho de Marcos Calazans foi tema de matéria publicada na edição 2.068 do Boletim UFMG, que circula nesta semana.