Coberturas especiais

Historiadora e antropólogo analisam implicações do samba de BH como patrimônio cultural

Gênero musical teve sua cartografia social elaborada com participação dos dois especialistas, que detalharam o processo em palestra no Festival de Inverno

Instrumentos usados em oficina ministrada pelo Coletivo Sambistas Mestre Conga no Conservatório UFMG. O encerramento do Festival de Inverno contará com Roda de Samba do Coletivo na próxima quinta-feira, 27, no Conservatório, às 19h.
Instrumentos usados em oficina ministrada pelo Coletivo Sambistas Mestre Conga; encerramento do Festival de Inverno contará com roda de samba do coletivo na próxima quinta-feira, 27, às 19h, no ConservatórioFoto: Divulgação | Instagram Coletivo Sambistas Mestre Conga

Na última sexta-feira, 21, o Conservatório da UFMG recebeu a historiadora Michele Arroyo e o antropólogo Breno Trindade, que ministraram a palestra Etnografia do samba em BH: memória, identidade e patrimônio cultural, como parte da programação do 55º Festival de Inverno da UFMG. Na palestra, eles compartilharam experiências de cartografia social e as metodologias etnográficas utilizadas para escuta dos coletivos culturais e o entendimento das práticas sociais nos espaços urbanos que reconhecem e salvaguardam o samba como patrimônio cultural da cidade.

Breno Trindade iniciou a palestra destacando que a etnografia é um importante mecanismo para a produção do conhecimento porque possibilita, no caso específico da pesquisa sobre a cartografia do samba na capital mineira, compreender o que é o samba em Belo Horizonte. Segundo o antropólogo, "o diálogo com as pessoas que vivem o samba na cidade possibilita a nós, pesquisadores, ter contato direto com os interlocutores que dominam esse saber. Esse contato culmina na produção do conhecimento e posterior reconhecimento do samba como patrimônio histórico, o que corrobora para a implementação de políticas públicas e reconhecimento de direitos nesse campo."

Ao abordar a importância da elaboração de políticas públicas de proteção ao samba belo-horizontino, Michele Arroyo contou que, para a criação e implementação dessas ações, existe uma hierarquização quando se define o que é e o que não é patrimônio cultural. Ela afirmou que essa definição sempre foi feita de forma segregacional.

"Inicialmente, a definição do que é ou não patrimônio estava vinculada a grupos sociais e a fatos históricos. Por se tratar de um processo que sempre foi de segregação, havia disputa entre os patrimônios materiais, como edifícios e mobiliários, por exemplo, e imateriais, que se referem ao saber e às tradições. Então, é muito importante que possamos combater essa disputa para que os bens imateriais, como o samba, possam também ser protegidos."

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Michele Arroyo: lei possibilitou inventário de bens imateriaisFoto: Foca Lisboa | UFMG

Michele explicou que, em 2002, foi aprovada uma lei para o reconhecimento e a proteção dos bens imateriais. Tratava-se de um ordenamento jurídico para a elaboração do registro, que possibilita a elaboração de inventários para a proteção desses bens. "Da mesma forma que os bens materiais eram tombados, passou-se a fazer o registro dos bens imateriais. O inventário é o mais importante meio de proteção de um bem cultural imaterial, pois ele identifica, cataloga e reconhece o conhecimento vivido", analisou a historiadora.

Ressignificação da cidade
O mapa elaborado pelos pesquisadores, em parceria com o Coletivo de Sambistas Mestre Conga e o Projeto República da UFMG, mostrou que o samba, em Belo Horizonte, atua em processos de ressignificação na cidade, e que a avenida Afonso Pena é uma referência para o samba da cidade.

"Nosso mapa é um experimento que gerou constatações interessantes sobre o samba na capital. Agora que ele está pronto, partiremos para campo para dialogar com as comunidades que vivenciam o ritmo. Além disso, vamos analisar o mapa para criar as ações de salvaguarda. Deve-se entender o samba na vida de quem o pratica, e isso somente o trabalho de campo é capaz de fazer", explicou Michele Arroyo.

Os dois especialistas destacaram que o maior desafio para mapear o samba em BH está relacionado à compreensão da essência do samba como bem cultural e ao entendimento de como preservá-lo para além de sua imaterialidade. Para Arroyo, esse entendimento está diretamente relacionado à capacidade de um bem cultural ser reapropriado por novas gerações. "Essa reapropriação deve ser observada a partir do reconhecimento do samba pela perspetiva de seu povo, que são os sambistas e os coletivos de cultura que detêm esse saber."

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Trindade: comunidade de sambistas é detentora de saberFoto: Foca Lisboa | UFMG

Etnografia como caminho
Para se aproximarem das pessoas que detêm o saber sobre o samba, o caminho escolhido foi a etnografia, uma vez que essa metodologia de pesquisa possibilita a escuta, o diálogo e o olhar sobre o outro. "A comunidade de sambistas é a maior guardiã de seu patrimônio cultural, então o fato de eles atuarem na elaboração do inventário do samba é essencial para que o projeto dê frutos. Buscávamos entender a territorialidade do samba e, para isso, foi preciso dialogar com quem faz esse samba", disse Breno Trindade.

A cartografia do samba realizada pelos pesquisadores também favorece a elaboração de políticas públicas que visem à proteção do gênero como patrimônio cultural imaterial. Para Trindade, a criação de políticas públicas está relacionada, ainda, ao benefício de grupos que são normalmente marginalizados e não assistidos pelo poder público.

"Definir o samba como patrimônio público ajuda na criação de direitos e garantias para os grupos que detêm o conhecimento e o saber dessa cultura. O registro como patrimônio não soluciona todos os problemas, mas faz com que o poder público saiba quais questões são importantes para os coletivos e, a partir disso, ele pode criar ações que protejam esse patrimônio", concluiu.

A programação do Festival de Inverno é gratuita e segue até o dia 27, com mesas-redondas, shows, oficinas e mostras de diferentes manifestações culturais.

Luana Macieira