‘Uberização das urnas’ reflete influência dos aplicativos de transporte na política
Em nota técnica, pesquisadores do IGC identificaram 177 candidatos a vereador que faziam referência às plataformas Uber ou 99 em seus nomes eleitorais
Com base nos nomes usados pelos candidatos (nomes de urna) nas recentes eleições municipais como elementos identificadores, pesquisadores da UFMG investigaram, na nota técnica Análise dos nomes de urna de candidatos com referências às plataformas digitais de transporte (eleições de 2020), o processo de normalização e penetração dos aplicativos de transporte na vida política institucional.
“A adoção dos nomes possibilita aferir a banalização das empresas no cotidiano político e pode subsidiar outros debates, como a identificação dos candidatos com os valores das corporações”, comenta o professor Fábio Tozi, do Instituto de Geociências (IGC).
Conforme a pesquisa levada a cabo no âmbito do Observatório das Plataformas Digitais (OPD), coordenado por Tozi, nas eleições ocorridas no mês passado, 2.731 candidatos (em um total de 555.742) usavam, em seus nomes de urna, palavras com referência ao trabalho de motorista. Valendo-se de referências a Uber e 99, o número foi de 177 – dos quais 62% estavam concentrados em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
“Comprovamos algo que já era visível: essas empresas se instalam onde há maior renda, maior concentração populacional e oferta de outros serviços”, observa Tozi.
Engajados autônomos
Caso emblemático, na avaliação do professor, é o do candidato Marlon do Uber, eleito vereador em São Paulo. Ele tem um canal no YouTube com cerca de 600 mil inscritos, em que atua como “uma espécie de coach para os motoristas”, segundo Tozi. Além disso, criou um aplicativo que favorece o trabalho dos motoristas, facilitando o acesso às corridas em locais com tarifas mais altas. Marlon do Uber também coordena uma rede de defesa dos trabalhadores, que publicou manifestos assinados por candidatos de vários estados, tratando de temas relativos à regulamentação da profissão.
“Segurança, direito de defesa contra banimento, taxação e transparência nas tarifas são pautas recorrentes dessa rede. Embora engajados na luta trabalhista, esses candidatos não reivindicavam sindicalização e formas de controle do Estado. Eles pregam que são empreendedores, autônomos, mas assumem pautas com temas clássicos do trabalhismo”, contrapõe o professor.
Como observou Fábio Tozi, uma vez que não há obrigação de informar ao TSE o plano de campanha dos vereadores, é impossível aprofundar as correlações entre o nome de urna adotado e as propostas de cada candidato. “Mas predominam as candidaturas por partidos alinhados à direita, dentro das particularidades do espectro político brasileiro”, informa.
Como observaram os pesquisadores, muitos outros candidatos debateram o uso do território municipal pelos aplicativos de transporte, sem, contudo, fazer referência a essa ação política em seus nomes de urna. Em geral, esses candidatos defendem a necessidade de maior conhecimento e regulamentação municipal dos aplicativos. “Há candidatos que discutem as questões trabalhistas vinculadas ao processo de 'uberização' do território, ainda que isso não seja de competência do município. Esse tema será debatido em nota futura”, projeta Tozi.
Os demais autores do trabalho são o geógrafo Leandro Ribeiro e o estudante André Carvalho, ambos vinculados ao OPD.