Cenários global e local explicam perda de confiança no jornalismo, afirma professor da Fafich
Em entrevista à Rádio UFMG Educativa, Bruno Leal observa que as pessoas têm voltado a acompanhar o noticiário tradicional por causa da pandemia
A queda da credibilidade do jornalismo profissional tem sido recorrente em democracias do mundo inteiro, gerando conflitos entre veículos e autoridades políticas. Para o pesquisador e professor Bruno Souza Leal, do Departamento de Comunicação Social da UFMG, esse fenômeno pode ser explicado por dois cenários.
"O primeiro cenário é mundial, ocidental, pelo menos. A gente vinha de uma tradição de veículos jornalísticos muito estáveis como a grande fonte de informação. Com o advento da internet, surgiram outras fontes. Hoje, a informação circula por outros canais e grande diversidade de mecanismos e de processos, que vão muito além dos veículos tradicionais de jornalismo”, contextualizou Bruno Leal, em entrevista concedida ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa, na última quarta-feira, 1º de abril.
De acordo com o professor, essas outras fontes, por si só, não geraram “necessariamente a perda da credibilidade”, mas foram cruciais para estabelecer uma concorrência, até então praticamente inexistente, com os modos tradicionais do fazer jornalístico. "Não que as pessoas deixem de consumir o jornalismo, mas consomem junto com outras fontes, o que faz o jornalismo perder seu lugar de grande prestígio”, afirmou.
No caso brasileiro, lembrou o professor, há outro cenário que contribui para explicar essa perda de credibilidade do jornalismo profissional: a estrutura herdada da ditadura militar, de uma produção “muito centralizada em dois polos, Rio de Janeiro e São Paulo, e muito concentrada na mão de alguns poucos agentes”.
“Com isso, perde-se um país, uma diversidade de realidades locais, de referências, de possíveis histórias e de informações que seriam úteis para uma população e para um território gigantescos como os do Brasil", destacou.
Democratização x credibilidade
O surgimento de novas formas de produzir e compartilhar informações, pela internet, segundo Bruno Leal, trouxe à tona duas questões que, em alguns momentos, se contrapõem: a democratização da produção e a credibilidade da informação produzida e compartilhada. Para o professor, no atual cenário, em que qualquer pessoa “consegue fazer uma pequena live e reportar o que está acontecendo”, há também excesso de informações.
“Quando você passa a ter meios de produção mais acessíveis, isso gera claramente uma democratização, mas gera também, por outro lado, um fluxo bastante incontrolado, incerto e, claro, informações pouco confiáveis", avaliou Bruno Leal.
No entanto, segundo o professor, a concentração dos veículos tradicionais de comunicação brasileiros nas mãos de grupos muito específicos “dá certa tendência, certo viés e, de certa forma, [gera] certo descrédito para os veículos tradicionais”, como o que temos observado no Brasil nos últimos anos.
Para Leal, essa concentração de empresas jornalísticas por “algumas famílias e grupos empresariais controlados por igrejas” enviesa e tolhe, em alguma medida, a diversidade da informação no país, “considerando a imensidão do território e das realidades culturais" existentes.
Jornalismo em tempos de pandemia
A emergência das fake news, observada no âmbito da perda de credibilidade do jornalismo profissional, torna-se ainda mais grave em momentos como o atual, marcado pela pandemia do novo coronavírus, em que a precisão da informação pode afetar diretamente o número de mortes. Recentemente, levantamento feito pela consultoria Edelman revelou que 64% da população de dez países, entre eles o Brasil, enxergam o trabalho da imprensa como a fonte mais confiável no contexto da pandemia do novo coronavírus. Além disso, pesquisa do Datafolha indicou que 61% dos programas jornalísticos da TV e 56% dos jornais impressos lideram o ranking de confiança sobre o tema, seguidos por programas jornalísticos de rádio, com 50%, e sites de notícias, com 38%.
Em posição oposta à imprensa profissional estão os conteúdos oriundos de redes sociais, como o Whatsapp e o Facebook. Apenas 12% dos entrevistados dizem confiar em informações sobre o coronavírus veiculadas nessas redes. No entanto, segundo o professor Bruno Leal, esses dados não autorizam dizer que “o jogo virou”.
"O que tem acontecido é que as pessoas estão em casa, e, no Brasil, os principais meios de comunicação estão fazendo uma cobertura muito atenta da pandemia do coronavírus. Além disso, tivemos o surgimento de uma nova rede de jornalismo, a CNN Brasil. E, como as pessoas estão mais em casa, tendem a consumir mais essas mídias”, analisou.
Para o professor, há outra questão de fundo: com um fluxo de informações tão grande e diverso, "emerge a questão da confiabilidade da informação". Em um período de crise, em meio a inúmeros depoimentos, memes e notícias recebidos pelas redes sociais, Bruno Leal acredita que as pessoas voltam a indagar se aquela informação é verídica e confiável.
“Nessa hora, a marca, o nome e o peso das organizações jornalísticas tradicionais são muito importantes. Mesmo sabendo que elas podem ser enviesadas por posições políticas, há credibilidade associada a esses nomes", avaliou. Além disso, “algo que tem sustentado a credibilidade dos veículos de comunicação é o fato de se apoiarem em organismos científicos internacionais, em instituições muito confiáveis, produzindo, então, um olhar sustentado sobre a pandemia”, reforçou.
Esse “olhar sustentado sobre a pandemia”, de acordo com o professor Bruno Leal, não tem sido desenvolvido pelo presidente Jair Bolsonaro. "É o único chefe de Estado do mundo que insiste na minimização de um quadro pandêmico grave. Mesmo o [Donald] Trump e o Boris Johnson, que inicialmente se mostraram céticos sobre os efeitos da pandemia, voltaram atrás. Enquanto isso, o presidente brasileiro continua insistindo em minimizar de modo opinativo, não sustentado, distorcendo fatos, uma situação muito grave”, afirmou.