Arte e Cultura

Contrabaixista Fausto Borém fará recital-palestra sobre a música brasileira desde o século 18

Professor da Escola de Música vai se apresentar na noite do próximo sábado, 20, em Belo Horizonte

Fausto Borém:
Fausto Borém: três décadas de ensino, pesquisa, experimentação e edição musicalFoto: Acervo pessoal

Um passeio por 300 anos da música de concerto brasileira é a proposta do recital-palestra que o contrabaixista e professor Fausto Borém, da Escola de Música da UFMG, fará no dia 20 de maio, às 20h, na Idea Casa de Cultura (Rua Bernardo Guimarães, 1.200). Durante 90 minutos, ele vai apresentar os principais estilos, ilustrados por peças musicais e por imagens icônicas que abarcam desde o Brasil colonial até os dias de hoje.

Borém vai tocar 11 músicas originais e adaptadas, resultado de trabalho de pesquisa, ensino, experimentação e edição musical que completa três décadas. Dezenas de milhares de notas e símbolos musicais foram tratados e receberam novas edições que serão disponibilizadas gratuitamente, com o objetivo de divulgar a diversidade da cultura musical brasileira. Após o recital do dia 20, os ouvintes poderão conversar com os artistas sobre os instrumentos, os compositores e as obras. Ele terá a companhia no palco dos músicos Evan Megaro e Nikolly Ramos.

O recital também representará o Brasil no Congresso mundial de contrabaixistas, que será realizado na Universidade de Michigan (EUA), de 5 a 9 de junho. No evento, Fausto Borém também vai trabalhar com 80 crianças contrabaixistas.

Cedro do Paraíso
Fausto Borém vai utilizar o contrabaixo Cedro do Paraíso, premiado como objeto escultural e sonoro no Congresso mundial de contrabaixistas de 2015, na Universidade Estadual do Colorado (EUA). O instrumento foi construído pelo luthier Gianfranco Fiorini, que atuou no Programa Artista Visitante da UFMG, coordenado por Borém. A madeira principal veio de uma árvore já seca de cedro cor-de-rosa. A análise dos anéis concêntricos da seção do tronco constatou idade mínima de 150 anos. A árvore foi plantada na Fazenda Paraíso, no município de Itaguara (MG), pelo avô do professor, Ramiro Rodrigues de Oliveira, que aparece como personagem de um conto de João Guimarães Rosa.

O objetivo do concertista é mostrar, em linha histórica, os contrastes de estilo. Borém vai interpretar desde a partitura mais antiga encontrada no país (Recitativo, de 1759) até o suingue de uma bossa-nova dodecafônica recente, composta em 2021 (Insensitive to my boom). Recitativo, de autoria anônima e com raro texto em português antigo, foi encontrada em Salvador e pode ter sido estreada na Catedral Basílica de Salvador, cuja construção foi concluída em 1746. A canção Insensitive to my boom foi composta durante a pandemia em homenagem ao jazzista norte-americano John Clayton. Em 2021, teve sua estreia em um recital on-line de dois músicos do Brasil e dois dos Estados Unidos. Agora, terá sua estreia presencial.

O recital, que inclui ainda piano e cravo digital, tem início com o som do contrabaixo sozinho na Valsa declamada, de Francisco Mignone. Nessa música, o compositor fala da perda da esposa, a pianista Liddy Chiafarelli, em um desastre aéreo em 1961. A peça ganhou uma versão inspirada na pandemia, na qual Borém explora os sentimentos de raiva e tristeza.

Depois, o recital visita mais uma obra-prima do período colonial. Escrita no início do século 19, em Mariana, pelo padre João de Deus de Castro Lobo, Salve sancte pater foi escrita em latim para orquestra, coro e vozes solistas, em estilo clássico tardio, e adaptada para contrabaixo e cravo.

Trecho de 'O amor brasileiro', de Sigismung Neukomm
Trecho de 'O amor brasileiro', de Sigismung Neukomm Imagem: Acervo Fausto Borém

Primeira partitura
O amor brasileiro, do imigrante austríaco Sigismund Neukomm, ainda é considerada a primeira partitura escrita no Brasil combinando a música de concerto europeia e a então emergente música popular brasileira. Pode-se ouvir o classicismo de Viena típico dos estilos de Haydn, Mozart e Beethoven, e as síncopas do lundu afro-brasileiro.

O primeiro movimento da Suite de Osvaldo Lacerda foi adaptado como Contraponto brasileiro, porque, segundo Fausto Borém, a adaptação à linguagem idiomática do choro ao contrabaixo tem vários efeitos, como as escorregadas dos vários tipos de glissando, o som metálico do ponticello, o nervosismo do tremolo e o som percussivo dos vários tipos de pizzicato (Bártok, de mão esquerda, com glissando, de harmônicos naturais). Dentro de uma linguagem de contraponto imitativo, o compositor imprime grande contraste e estranheza harmônica à seção central da forma ABA, utilizando o atonalismo.

Para comemorar os 150 de nascimento de Henrique Oswald, compositor romântico que estudou na Europa na segunda metade do século 19 com bolsa concedida pelo Imperador Dom Pedro II, foram adaptadas quatro peças no esquema lento-rápido. O ambiente de nostalgia da Elegia é seguido do que poderia ser um protótipo de O trenzinho do caipira, das Bachianas de Villa-Lobos. A Romanza, à qual foi acrescentada uma seção improvisatória, é seguida do vibrante e virtuosístico Allegro molto, típico do alto Romantismo.

Para não interromper aulas de contrabaixo para as crianças durante a pandemia, a International Society of Bassists (ISB) lançou edital para aulas on-line gratuitas para todo o mundo, o que inspirou Fausto Borém a criar um método para contrabaixistas iniciantes utilizando apenas o braço direito, responsável pela produção sonora com a fricção do arco nas cordas. Assim, os 20 estudos para cordas soltas no contrabaixo, que reduzem as dificuldades de coordenação motora na fase iniciante, foram disponibilizados em 2022. O passo seguinte, parte dessa mesma abordagem, foi criar uma série de duetos cênicos para dois contrabaixos (professor e aluno) que motivasse as crianças a não desistir do contrabaixo no período de isolamento social.     

Interpretação de Elis Regina
No início do recital, haverá uma pequena mostra do curso Sons, imagens e letras de música na interpretação de Elis Regina, que será ministrado por Fausto Borém no segundo semestre deste ano, também na Casa Idea de Cultura. Assim como o recital, o curso também resulta da pesquisa de Borém e vai abordar as performances da atriz-cantora Elis Regina, tendo em vista as relações que ela criava entre o texto das canções, os efeitos vocais que produzia e suas expressões faciais e movimentos de performance no palco. No curso, serão apresentados vários estudos de caso curtos sobre temas como emancipação da mulher, crítica social, sexualidade, inclusão social, ilustrados com vídeos em que Elis interpreta sentimentos como alegria, tristeza, raiva, prazer, arrogância, malandragem e bom humor.

Fausto Borém (à direita) e
Fausto Borém (à direita) e Evan MegaroFoto: Acervo Fausto Borém

Os músicos
Borém representa o Brasil no Congresso mundial de contrabaixistas há 30 anos e coleciona prêmios internacionais relacionados à performance do contrabaixo. Ele ganhou o 2019 ISB Research Grand Prize por propor, em coautoria com o professor Guilherme Menezes Lage, da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Educacional da UFMG, um sistema interdisciplinar que integra a visão e o tato à audição para controlar a afinação no contrabaixo acústico. Antes, com cinco alunos de iniciação científica da UFMG, recebeu o 2015 ISB Research Honor Prize por revelar o compositor-contrabaixista afro-brasileiro Lino José Nunes (1789-1847) como o segundo contrabaixista no mundo a escrever um método de contrabaixo (um manuscrito de 1838) e por ser considerado, então, o compositor de música mais cromática (harmonicamente colorida) das três Américas. Ano passado, ele recebeu o 2021 ISB Gary Karr 80-to-90 Project por idealizar, compor e arranjar música, gravar, editar e publicar um recital em home office com 28 contrabaixistas de vários países do mundo.

Fausto Borém criou a pós-graduação em Música na UFMG, o periódico Per musi (o único de música indexado na base Scielo) e é pesquisador do CNPq há 30 anos.

Evan Megaro, que vai tocar cravo digital e piano, domina música popular e de concerto. Orientado por Borém, ele concluiu o doutorado em Música pela UFMG. Seu tema de pesquisa foi a integração do choro na música de concerto. Evan e Borém farão a estreia de Contraponto chorado, em um arranjo do professor de uma fuga atonal (gênero musical em que a melodia de um músico persegue a de outro, sem hierarquia de tons) do compositor Osvaldo Lacerda.

Nikolly Ramos é bacharel em contrabaixo pela UFMG. Por sua dedicação, recebeu em 2022 do professor Fausto Borém o prêmio da GaryKarr 80-to-90 Project da International Society of Bassists (ISB).

Nikolly Ramos:
Nikolly Ramos: encenação em duas peçasFoto: conexao.sesc.com.br

Panorama da música brasileira do século 18 ao século 21

Fausto Borém (contrabaixo, arranjo/composição e edição em todas as músicas)
Evan Megaro (cravo digital em 2 e 3, e piano exceto 1, 7 e 8)
Convidada cênica especial: Nikolly Ramos (contrabaixo em 7 e 8)
20 de maio de 2023, sábado, às 20h
Idea Casa de Cultura (Rua Bernardo Guimarães, 1.200 – Funcionários, BH
Ingressos: R$ 50, com direito a rápida recepção (são apenas 65 ingressos disponíveis). No Sympla

Este é o programa do recital-palestra:

Valsa declamada (1982) – contrabaixo sozinho
Francisco Mignone (1897-1986)                             

Recitativo, do Herói, egrégio... (1759) – contrabaixo e cravo
Anônimo de Salvador (BA)

Salve sancte pater  (início do séc. 19) – contrabaixo e cravo
João de Deus de Castro Lobo (1794-1832)                                   

O amor brasileiro (1819) – contrabaixo e piano
Sigismund Neukomm (1767-1858)

Contraponto chorado (1984) – contrabaixo e piano
Osvaldo Lacerda (1927-2011)

Insensitive to my boom (2023, dedicada a John Clayton) – contrabaixo e piano
Das Três canções dodecafônicas brasileiras
Fausto Borém (1960–)

ISB kids go... walrus! (2023) – dois contrabaixos
Dos Duetos para criança em cordas soltas e professor(a)
Fausto Borém            

ISB kids rock and ... roll! (2023) – dois contrabaixos
Dos Duetos para criança em cordas soltas e professor(a)
Fausto Borém                        

Romanza (1901) – contrabaixo e piano
Henrique Oswald (1852-1931)

Serrana (1927) – contrabaixo e piano
Henrique Oswald       

Elegia (1897) – contrabaixo e piano
Henrique Oswald

Allegro agitato (1901) – contrabaixo e piano
Henrique Oswald