Em dez anos, ambiente alimentar piorou muito em Belo Horizonte
Pesquisa da Enfermagem mostra que número de estabelecimentos que vendem alimentos que fazem mal à saúde aumentou bem mais que o daqueles que oferecem comida saudável
O ambiente alimentar comunitário de Belo Horizonte é cada vez menos propício à alimentação saudável. No período de dez anos a partir de 2008, aumentou em 154% a quantidade de estabelecimentos formais na cidade que comercializam alimentos que não fazem bem à saúde. A constatação é de pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde (GEPPAAS), da Escola de Enfermagem da UFMG.
Os estabelecimentos formais mistos, que vendem alimentos saudáveis e não saudáveis, e aqueles que oferecem os alimentos apropriados aumentaram bem menos: 51% e 32%, respectivamente. A coleta de dados foi feita nos anos de 2008, 2011, 2015 e 2018.
“O ambiente alimentar em BH foi se modificando ao longo dos anos”, afirma a professora Milene Cristine Pessoa, do Departamento de Nutrição. Ela explica que o ambiente alimentar é caracterizado pelos tipos de lojas de alimentos e circunstâncias de aquisição e consumo, e que fatores ambientais, sociais, individuais e demográficos têm impacto direto no acesso das pessoas a alimentos mais ou menos saudáveis. “A análise das informações do ambiente alimentar comunitário possibilita investigar o contexto de oportunidades e limitações relacionadas à alimentação, proporcionando também oportunidades de intervenções e mudanças estratégicas nas políticas públicas locais”, diz a professora.
Para caracterizar o ambiente alimentar comunitário, o grupo de pesquisa desenvolveu uma base de dados geocodificados, com informações provenientes de fonte governamental sobre os estabelecimentos de venda de alimentos, segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). A variação temporal foi analisada segundo os tipos de estabelecimento e por categorias agrupadas.
De acordo com Milene Pessoa, os estabelecimentos foram classificados conforme a atividade-fim e os produtos predominantemente comercializados. Eles foram categorizados em quatro grupos: in natura e minimamente processados, ingredientes culinários, processados e ultraprocessados). Os estabelecimentos foram, então, agregados como estabelecimentos saudáveis, mistos e não saudáveis, com base em metodologia proposta pelo Estudo sobre Mapeamento dos Desertos Alimentares no Brasil, iniciativa da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional.
'Pântanos alimentares'
No intervalo de 2008 a 2018, segundo a pesquisa, a população residente na capital cresceu de forma discreta (2,7%), enquanto a densidade dos estabelecimentos de alimentos manteve elevação crescente e significativa (107%). Em 2008, eram cerca de três estabelecimentos saudáveis para cada 5 mil habitantes do município; em 2018, eram cerca de quatro estabelecimentos para a mesma quantidade de moradores. “Em contrapartida, a densidade de estabelecimentos não saudáveis mais que dobrou no mesmo período, aumentando de cerca de 17 estabelecimentos 41 [por 5 mil habitantes] no período em dez anos", diz Milene.
A grande diferença de densidade dos estabelecimentos não saudáveis com relação aos estabelecimentos saudáveis é compatível com o conceito de "pântanos alimentares", locais onde predomina o comércio de alimentos ultraprocessados. “Observa-se crescimento na distribuição dessa categoria em todo o município, principalmente na região central da cidade, o que reforça a piora da característica do ambiente alimentar de Belo Horizonte”, explica Milene Pessoa.
Ainda segundo a pesquisadora, essa piora é fator importante a ser considerado no planejamento das ações de controle de doenças crônicas no município, especialmente a obesidade. “Em um cenário no qual os alimentos ultraprocessados se tornam cada vez mais acessíveis, as taxas de sobrepeso e obesidade aumentam. Em contrapartida, em locais onde há maior acesso a lojas que oferecem alimentos saudáveis, como frutas e hortaliças, além de maior variedade desses alimentos, é menor o risco de excesso de peso. Cabe reforçar que a investigação do ambiente alimentar comunitário é recurso importante para a construção de ambientes mais saudáveis”, conclui.