Pesquisa e Inovação

Diplomacia extrapolou muros do Itamaraty a partir dos anos 80

Em livro, professor da UFMG mostra que sociedade, partidos e presidentes passaram a exercer maior influência na política externa

Prédio do Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília
Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília Gustavo Ferreira/ AIG-MRE

As três primeiras décadas pós-redemocratização foram marcadas por processo irrefreável de abertura da política externa brasileira à participação de instituições e personagens alheios ao ambiente tradicional da diplomacia. Agências governamentais, ONGs, empresas e a imprensa são alguns dos novos atores, que não apenas emitem opiniões, mas atuam de forma concreta. No livro Política externa na Nova República: os primeiros 30 anos (Editora UFMG), o professor Dawisson Belém Lopes, do Departamento de Ciência Política, mostra que, no período 1985-2014, entraram com maior força na cena internacional também os presidentes da República, parlamentares e os partidos políticos. O assunto foi abordado na edição 1996 do Boletim UFMG, que circula nesta semana.

“A despeito de alguma resistência do Itamaraty, que não quer abrir mão do seu virtual monopólio, muita gente nova tem participado do processo. Ministérios criaram departamentos internacionais, ONGs fazem articulações além das fronteiras, jornalistas se especializaram, e acadêmicos estão muito mais preparados para pensar o lugar do Brasil no mundo”, afirma o pesquisador, que se dedicou mais diretamente a esse trabalho ao longo dos últimos sete anos.

Dawisson ressalta que a diplomacia brasileira se destaca pela qualidade – “estabeleceu-se como corpo burocrático há quase 200 anos e conta com protocolos maduros” –, mas ainda é muito elitista, com baixa representação, por exemplo, de mulheres e negros. “A organização se mantém hierarquizada e avessa à diversidade, e isso vem sendo questionado nas últimas décadas”, comenta o mestre (UFMG) e doutor (Uerj) em Ciência Política.

Uma das grandes novidades é o que ele chama de “diplomacia presidencial”, inaugurada por José Sarney, primeiro presidente após o regime militar, que articulou com o argentino Raúl Alfonsín a criação do Mercosul. Fernando Collor ensaiou postura agressiva no breve período em que esteve no Planalto, e Itamar Franco foi introvertido.

“Fernando Henrique Cardoso, por sua vez, foi uma espécie de patrono da modalidade, e Lula aperfeiçoou o estilo, tanto em quantidade quanto em qualidade das ações. Ele levou ao apogeu o gênero presidente-diplomata, gerando exposição qualificada do Brasil no exterior”, diz o autor, acrescentando que a gestão de Dilma Rousseff representou recuo, mas que as críticas que ela sofreu foram muitas vezes exageradas.

Interesse dos partidos

Para escrever Política externa na Nova República, Dawisson Belém Lopes sintetizou literatura brasileira e estrangeira e entrevistou embaixadores – incluindo ex-chanceleres como Luiz Felipe Lampreia e Celso Amorim –, assessores diplomáticos, políticos e especialistas. 

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A obra abre espaço também para a análise do interesse dos partidos pelo tema. O professor da Fafich lembra que o PT procurou conexões internacionais desde seus primórdios, em busca da formação de uma grande frente de esquerda. O PSDB “aprendeu” muito nos governos FHC e amadureceu seu pensamento diplomático na oposição, instado a opinar sobre as políticas do PT. Segundo o autor, a política externa tem sido explorada também nas campanhas eleitorais – Lula, por exemplo, foi acusado de “despreparado” por José Serra, em 2002, e, mais tarde, condenado por alianças com regimes como o chavismo, na Venezuela.

Outra marca forte da vida diplomática nos últimos tempos, na visão de Dawisson Lopes, é a condição assumida pelo país de exportador de programas sociais, utilizados como fonte de influência sobre países da África e América Latina. “O Brasil combinou ortodoxia macroeconômica com políticas sociais robustas e a imagem de contestador da ordem mundial”, diz o autor. 

Dawisson enfatiza que a obra contraria a tendência histórica da política externa de se manter inacessível ao cidadão comum. “Trato o assunto como mais uma política pública e com a convicção de que um país democrático de fato deve abrir sua diplomacia à participação da sociedade”, conclui o pesquisador.

Livro: Política externa na Nova República: os primeiros 30 anos

Autor: Dawisson Belém Lopes
Editora UFMG
284 páginas / R$ 47 (preço de capa)

Itamar Rigueira Jr. / Boletim 1996