Editora UFMG publica conferência de despedida do crítico Antoine Compagnon
Ministrada em 2021, no Collège de France, aula sintetiza os esforços do autor de proferir uma comunicação que se concretizasse como o seu ‘canto do cisne’
A Editora UFMG acaba de lançar o livro Ganhar a saída, que reproduz a conferência que o escritor e crítico literário belgo-francês Antoine Compagnon ministrou no Collège de France no dia 12 de janeiro de 2021, como encerramento do seu curso e de suas atividades naquela instituição.
Compagnon trabalhou no Collège de France de 2006 a 2021; nos últimos anos, ministrou um ciclo de aulas intitulado Fins da literatura, que alcançou a sua conclusão justamente com essa conferência, após uma série de “variações sobre o tema do fim”. Nessa última comunicação, é outra vez recorrente o recurso a imagens de Proust, Montaigne e Baudelaire, os autores de predileção do professor. O livro já pode ser adquirido no site da Editora UFMG.
“Com essa conferência, Compagnon encerra uma trajetória de 45 anos de ensino na França”, explica a tradutora Laura Taddei Brandini na nota que introduz o volume. Em razão disso, ela destaca, há “certo ar de nostalgia” nas suas reflexões, na medida em que tentam oferecer um desfecho para uma atuação iniciada em 1975.
Esse ar de nostalgia faz com que Compagnon investigue, em dado momento, o que é ser professor. “Um professor é alguém que nunca soube deixar a escola”, ele arrisca. “É alguém que sempre se encontra diante de seu público como se fosse a primeira vez.” No livro, Compagnon também vai argumentar que o lema do professor talvez devesse ser “eu decepciono”, em razão da incapacidade de alcançar algum estado da arte do ensino.
Coloquialidade e erudição
Mais adiante, ao falar dos professores de sua admiração, com os quais conviveu ao longo das últimas décadas, Compagnon lembra, entre outros, de Jacques Lacan. “Quando era aluno na X [Escola Politécnica de Paris], muitos de nós frequentavam o seminário de Jacques Lacan na Faculdade de Direito, na praça do Panteão. À época, ele falava de topologia. Procurávamos entender, não entendíamos nada. Contudo, eu ficava impressionado com o risco que ele corria, não pelo tom profético, mas pelo aspecto extemporâneo de sua fala. Às vezes, ele não tinha nada a dizer e se calava depois de alguns borborigmos. Eu pensava: que topete!” É nesse tom que Compagnon avança por todo o livro, aliando coloquialidade e erudição.
Na esteira desses pensamentos, Compagnon faz também algumas reflexões sobre a real importância da educação como instrumento de justiça humanitária. Sobre isso, ele anota: “O melhor colégio não é o que recebe mais notas altas no vestibular se os alunos podem tê-las em outro lugar. O melhor médico não é o que pede mais mamografias e colonoscopias e recebe um prêmio a título de Remuneração por Objetivos de Saúde Pública [incentivo remuneratório existente na França], se ele exerce a medicina num bairro abastado. A melhor escola é a que faz com que seus alunos e professores progridam, aquela que cria mais valor agregado.”
Metalinguagem
Bem à moda francesa, Ganhar a saída – o título do livro remete a uma passagem da peça Fim de partida, de Samuel Beckett – é uma comunicação concebida como a investigação de si mesma: boa parte das reflexões e dos achados que emergem na aula nascem do próprio esforço do autor para dar um nome a ela, exercício metalinguístico que avança por todo o volume. Dito de outra forma, a conferência de Compagnon situa-se em certa tradição de ir “ensinando literalmente uma pesquisa enquanto ela está sendo feita”, como ele anota em dado momento. Ao cabo, seu discurso sobre sua aula acaba se realizando, ele mesmo, como a aula que planejara dar.
Sua fala se divide em sete partes, cujos títulos refletem esse esforço para encontrar o significado mais preciso para a sua comunicação. São elas: The Last Lecture [A última conferência], Rabo de peixe, A síndrome de Cotard, “And after many a summer dies the swan” [E após muitos verões expira o cisne], Quindecim annos [Quinze anos], O professor sou eu e Braços valeditórios.
Curiosamente, em dado momento, Compagnon revela que sempre trabalhou de modo a manter uma aula “reserva” na gaveta, para o “caso de uma indisposição ou de um acidente entre uma semana e outra”. “E essa aula de salvamento”, ele anota, “por fim não a ministrei. Ainda agora, eu estou com uma a mais.”
O fim, portanto, mesmo após a saída conquistada, segue em estado de suspensão.
Livro: Ganhar a saída
Autor: Antoine Compagnon
Tradutora: Laura Taddei Brandini
Editora UFMG
R$ 23 / 69 páginas