Especialista analisa percepção e combate à corrupção no Brasil nos últimos anos
Professor da UFABC Vitor Marchetti destacou que não existe ‘fórmula mágica’ no enfrentamento à prática, é um processo gradual
A parcela de brasileiros que acredita que a corrupção vai aumentar nos próximos meses cresceu para 61% neste setembro, aponta pesquisa do Datafolha. O número demonstra um maior pessimismo em relação à pesquisa anterior, realizada em julho, em que 56% enxergavam uma perspectiva de aumento. O tema da corrupção é muito presente no Brasil, seja pela discussão em torno dos escândalos, seja pelo enfrentamento a ela estar incluso nas promessas e propostas de governo de diversos políticos. O combate à corrupção foi uma das principais bandeiras da vitoriosa campanha do presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, mas as investigações quanto a possíveis irregularidades continuam a aparecer, inclusive em relação à pandemia. A CPI da covid-19 investiga, no momento, suspeitas de corrupção na compra da Covaxin, vacina indiana contra a doença. Ainda assim, em discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), na última semana, o presidente declarou que o Brasil está “há dois anos e oito meses sem qualquer caso concreto de corrupção”.
Será que existe a possibilidade de um futuro livre de corrupção para o país? Para debater o tema e as variações na percepção do brasileiro sobre a prática nos últimos tempos, o programa Conexões dessa segunda, 27, recebeu o cientista político e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Vitor Marchetti. O pesquisador traçou uma linha do tempo com os principais acontecimentos que explicam o aumento da descrença em relação ao combate à corrupção, começando pela saída do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça, que o entrevistado apontou como uma grande frustração de expectativas por parte dos eleitores de Bolsonaro em 2018. Marchetti ressaltou que Moro saiu fazendo denúncias de pressão por parte do governo sobre órgãos de fiscalização que eram o coração da Operação Lava Jato. Nessa reconstituição, o professor passou pela escolha de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da República, fora da lista tríplice, a aproximação do governo com o chamado Centrão, chegando às denúncias de rachadinha que envolvem a família Bolsonaro e às investigações da CPI.
O convidado também compartilhou sua análise sobre a operação Lava Jato, ressaltando que ela se apresentou como solução simples para um problema complexo, uma fórmula mágica. “Você precisa construir mecanismos de controle, de fiscalização e de transparência, para minimizar as chances de que a corrupção ocorra e, mesmo quando ocorra, você tenha mecanismos efetivos de punição. É um processo paulatino, lento, de fortalecimento das instituições. Um dos grandes problemas da Lava Jato é que ela assumiu um discurso de que o único modo de combater a corrupção era implodindo todo o sistema, o sistema politico e, inclusive, de regras e legislações básicas. Aí quando começamos a assistir a entrega de informações sobre como operava a Lava Jato, a série de crimes que os atores importantes cometeram para combater o crime, fica evidente que aquilo não era um processo de fortalecimento da instituições de controle, mas era uma aposta de que era preciso ruir todo o sistema para construir outro”, defendeu.
Sobre as eleições do ano que vem, Marchetti acredita que a corrupção não deve ser um tema muito debatido nesse contexto, diferentemente de 2018 quando a sociedade estava sob o impacto das ações da Lava Jato. Ele alertou para a preocupação de que a perspectiva da continuidade da corrupção possa levar à ideia de que a democracia não vá produzir resultados para o país, abrindo espaço para o discurso antidemocrático.
Ouça a entrevista completa pelo Soundcloud.
Produção: Enaile Almeida, sob orientação de Hugo Rafael e Alessandra Dantas
Publicação: Alessandra Dantas