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‘Outra estação’ estreia nova temporada com episódio sobre os 10 anos da Lei de Cotas

Programa da Rádio UFMG Educativa relata mudanças no perfil dos alunos da Universidade na última década

Percentual de estudantes negros na Universidade variou de 25% para mais de 40%, após a Lei de Cotas
Estudantes cotistas apresentam desempenho semelhante ao dos que entraram na universidade por concorrência amplaFoto: Cottonbro | Pexels

Sancionada em 29 de agosto de 2022, a Lei nº 12.711, mais conhecida como Lei de Cotas, completou dez anos de vigência. Como previsto no próprio texto, após esse período, a lei deve ser submetida a reavaliação, com expectativa de aprimoramento dos critérios estabelecidos. A discussão é tema do novo episódio do Outra estação, da Rádio UFMG Educativa, que abre a terceira temporada do programa, lançada em comemoração aos 95 anos da UFMG e aos 17 anos da emissora


A Lei de Cotas determina a reserva mínima de 50% das vagas nas instituições federais de educação superior para estudantes que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Metade dessas vagas é para estudantes cuja família tenha renda igual ou menor que 1,5 salário mínimo por pessoa; a outra metade é para estudantes de famílias com renda maior que esse valor per capita. Em qualquer opção de renda, pessoas pretas, pardas, indígenas e com deficiência têm direito ao número de vagas correspondente à proporção de cada grupo na unidade da federação onde a instituição está instalada. As regras também valem para as instituições federais de ensino técnico de nível médio. A inclusão de pessoas com deficiência foi feita por lei específica em 2016.

Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei (PL) 3.422, de 2021, propõe a prorrogação do prazo de revisão da Lei de Cotas e tramita em regime de urgência, mas a votação deve ficar para depois das eleições. O texto incorpora o PL 5384, de 2020, com a proposta da reserva permanente de vagas nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico. No entanto, a continuidade da política por tempo indeterminado se choca com a Convenção Interamericana contra o Racismo, da qual o Brasil é signatário desde janeiro de 2022.

Por outro lado, também tramitam no legislativo federal propostas de extinção do mecanismo de subcotas raciais para o ingresso nas instituições federais e para acabar com as chamadas bancas de heteroidentificação racial ‒ criadas pelas próprias universidades para verificar se as características físicas das pessoas condizem com a informação registrada na autodeclaração, único instrumento previsto na lei atual para que alguém se candidate às vagas reservadas. 

“Temos que pensar se uma lei que tem dez anos é capaz de reverter os efeitos da escravidão de 300 anos. Então, primeiro precisamos pôr em perspectiva que a lei é muito nova para os efeitos que pretende alcançar, uma equalização das oportunidades dos grupos sociais na sociedade brasileira”, argumenta o professor Rodrigo Ednilson de Jesus, presidente da Comissão Permanente de Ações Afirmativas e Inclusão da UFMG.
Rodrigo Ednilson de Jesus: 10 anos não são suficientes para reparar 300 anos de escravidão
Rodrigo Ednilson: 10 anos não são suficientes para reparar 300 anos de escravidão Foto: Foca Lisboa | UFMG

“A cara do Brasil”

Na UFMG, a adoção de políticas de ações afirmativas começou em 2009, quando foi implementado o bônus de 10% na nota do antigo vestibular para estudantes de escolas públicas e de 15% para estudantes negros, também vindos do ensino público. A aplicação da Lei de Cotas começou em 2013, de forma gradual, conforme determinado pela própria lei, até atingir o percentual de 50% de reserva de vagas para estudantes negros em 2016. 

O pró-reitor de Graduação da UFMG, Bruno Teixeira, descreve uma mudança profunda no perfil dos alunos da Universidade nos últimos anos. “Até 2007, nós tínhamos um percentual de estudantes negros na universidade que variava de 25% a 27% a cada ano. Após a aplicação da Lei de Cotas em sua plenitude, que se dá a partir do ano de 2016, começamos a observar aumento significativo desse índice, que passou a ser superior a 40% na maior parte dos anos”, relata.

“A UFMG hoje é muito mais a cara do Brasil do que era há dez anos”, resume o pró-reitor de Assuntos Estudantis, Tarcísio Mauro Vago. Segundo ele, ao contrário do que os críticos da Lei de Cotas esperavam, a taxa de evasão dos estudantes cotistas é menor do que a registrada entre os demais, e o aproveitamento dos dois grupos pode ser equiparado. Levantamento realizado pela Prograd, relativo ao período de 2013 a 2017, mostra que, em 78% das 95 modalidades de cursos de graduação da UFMG, os estudantes que entraram por reserva de vagas tiveram desempenho semelhante ao dos que ingressaram por ampla concorrência. 

Acesso versus permanência

Riane Chagas: Lei de Cotas é uma forma de combater os efeitos do racismo
Riane Chagas: Lei de Cotas é uma forma de combater os efeitos do racismo Foto: Acervo pessoal

Mais do que garantir igualdade no acesso à universidade, é preciso assegurar a permanência dos estudantes cotistas até que concluam os cursos. Segundo o último relatório divulgado pela Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump), dos 34 mil estudantes de graduação matriculados na UFMG em 2019, nove mil estavam cadastrados em algum programa de assistência estudantil, que prevê subsídios para alimentação, moradia, aquisição de material acadêmico, entre outros tipos de auxílio. 

O público-alvo prioritário do Programa Nacional de Assistência Estudantil, que financia tais iniciativas, são alunos que vieram da rede pública de educação ou com renda familiar de até 1,5 salário mínimo. A última edição da Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior, realizada em 2018 por iniciativa do Observatório do Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Estudantis, revela que o percentual de estudantes matriculados nas universidades que estão nessa faixa de renda mensal familiar per capita ultrapassa 70%.

Além dos professores da UFMG, a reportagem do Outra estação entrevistou o professor de Direito da PUC Minas Marciano Godoi, coautor de um artigo publicado na Revista de Informação Legislativa do Senado sobre os dez anos da lei de cotas, o estudante do curso de Medicina da UFMG Múcio Adelair, que ingressou na Universidade pela modalidade de cotas; e a ex-aluna de biblioteconomia Riane Chagas, que entrou na UFMG como cotista em 2015, mas abandonou o curso.

Para saber mais

Nota de esclarecimento do Ministério da Educação sobre a Lei de Cotas
Análise do perfil socioeconômico dos ingressantes matriculados na UFMG no período de 2000 até 2019
Convenção Interamericana contra o Racismo
Dez anos após lei de cotas, mais de 90% das universidades federais têm comissões de heteroidentificação racial
Parlamentares defendem continuidade de ações afirmativas nas universidades públicas
Projeto de Lei nº 3422/2021
Projeto de Lei n° 1676/2021
Projeto de Lei nº 5384/2020
Projeto de Lei nº 1531/2019
Reparação histórica – Revista Radis/Fiocruz
Manifesto audiovisual lançado pela União Nacional dos Estudantes (UNE):

Produção  

O episódio 90 do Outra estação é apresentado por Alessandra Ribeiro e Alicianne Gonçalves, teve produção de Alessandra Ribeiro, Igor Costa e Laura Silva, e edição de Alicianne Gonçalves. Os trabalhos técnicos são de Cláudio Zazá. Nesta temporada, o Outra estação vai ao ar mensalmente. O próximo episódio estreia no dia 6 outubro, às 18h, na 104,5 FM. O programa também está disponível nos aplicativos de podcast, como o Spotify.