Para os indígenas, chegada à universidade ainda gera 'um choque'
Programação do Abril Indígena na UFMG foi aberta com mesa-redonda de acadêmicos e líderes dos povos originários
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Na tarde desta sexta-feira, dia 14, a Faculdade de Direito sediou a mesa A presença indígena no ensino superior: reflorestando a universidade, que abriu a programação de mais uma edição do Abril Indígena na UFMG.
A principal apresentação ficou a cargo da assessora de Inclusão e Diversidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Samara Pataxó, bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ao fazer referência à sua própria experiência como universitária, a jurista destacou que, para os jovens oriundos de comunidades indígenas, a chegada à universidade é acompanhada de “um choque” em relação às suas expectativas.
“Eu queria entrar na universidade para aprender as leis e ajudar o meu povo. Mas, quando cheguei, não obtinha aprendizado que eu pudesse aplicar à vida da minha aldeia, apenas teorias que fugiam da minha realidade”, relatou Samara. Segundo ela, a angústia em relação à permanência na universidade era um desafio comum entre os estudantes de origem semelhante à sua. “Ouvi relatos de outros alunos que, assim como eu, tiravam notas baixas e pensavam em ir embora.”
Direito garantido
Samara Pataxó lembrou que a promulgação da Constituição Federal (CF/88) foi um marco na garantia de direitos para os povos indígenas. “O artigo 231 diz que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, citou.
Segundo a assessora do TSE, a inclusão de um capítulo específico para tratar dos povos originários foi providencial porque, até então, inexistiam dispositivos em defesa de seus direitos específicos.
A CF também garante aos povos indígenas, como informou Samara Pataxó, um modelo próprio de aprendizagem — o que abriu o caminho para a consolidação de escolas “no seio das comunidades”, que valorizam suas línguas, rituais e tradições.
“Isso também não existia no contexto anterior. Os indígenas não eram considerados cidadãos e eram forçados a um processo de aculturação. Isso prevalecia dentro das escolas por causa do modelo de educação. O indígena tinha que aprender o idioma português, não podia falar sua língua materna, não podia ser quem era.”, ressaltou.
Por fim, a advogada destacou a necessidade de mais iniciativas para promover a inclusão e a afirmação dos povos originários. “Até agora, discutem-se políticas de permanência na universidade. E quanto ao ingresso no mercado de trabalho? Já existe reserva de vagas para negros em concursos públicos. Mas para indígenas e quilombolas, ainda não há. É preciso pensar nisso também”, provocou.
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Mobiliza e constrange
“Não pode haver cisão entre os humanos e a natureza”, afirmou a pró-reitora de Assuntos Estudantis, Licínia Correa, citando o ambientalista e filósofo indígena Aílton Krenak. A dirigente agradeceu a presença dos estudantes indígenas na UFMG, salientando que, ao territorializarem a universidade, esses jovens geram um movimento que “mobiliza e constrange”.
“Ainda há muito o que se fazer no âmbito institucional para que a UFMG se consolide como território indígena. É muito bom poder falar em ‘reflorestar’ a universidade. Nunca deixamos de ser terra, floresta e planeta”, discorreu.
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A vice-presidente do Centro Acadêmico Afonso Pena (Caap), Ana Lú Santos, que é de origem quilombola, salientou que as políticas afirmativas em favor dos povos originários figuram como tentativas de “reparação histórica”. “Isso aqui também é nosso. Foi construído com muito sangue dos nossos ancestrais. Hoje, mais do que nunca, demonstramos que podemos, devemos e somos capazes de ocupar esse lugar.”
Ana Lú ainda reforçou a importância do coletivo indígena como espaço de acolhimento e instrumento de pertencimento. “É muito difícil sair das aldeias ou comunidades, sem amparo familiar, e lidar com uma nova realidade, vivida em um espaço que estruturalmente não foi feito para nós”, lamentou.
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Representante do coletivo de estudantes indígenas, o estudante Guilherme Pankararu atestou que, “quando um estudante indígena, de contexto aldeado, chega a Belo Horizonte, ele sente muita carência — no entanto, desistir não pode ser uma opção”.
Pensar o futuro
Para a coordenadora do Colegiado Especial de Vagas Indígenas, Andrea Carvalho, o programa de reservas de vagas suplementares para estudantes indígenas é um reconhecimento, por parte da universidade, de que as políticas até então existentes não são suficientes para incluir esses jovens. O programa abarca, atualmente, dez cursos de graduação, distribuídos nos campi de Belo Horizonte e Montes Claros.
O diretor da Faculdade de Direito, Hermes Guerrero, disse que, ao promover o acesso e a permanência de alunos de origem indígena, o Estado brasileiro “faz justiça". Guerrero, que é descendente dos povos incas, do Peru, declarou que o tema da inclusão de indígenas na universidade é, para ele, "pessoalmente caro".
"Se não fosse por outras razões, a Faculdade de Direito receberia estudantes indígenas devido ao meu vínculo cultural, milenar, com a terra da América do Sul. Tomem conta da Casa de Afonso Pena. Ela é de cada um de vocês, por direito", disse o diretor, dirigindo-se aos estudantes indígenas presentes na sala.
A reitora Sandra Goulart Almeida destacou que o Abril Indígena é momento de se atentar para a violência que ocorre atualmente e ocorreu no passado contra os povos originários, mas também de pensar no futuro — especialmente, no papel da universidade como promotora de justiça social.
“Temos um longo caminho pela frente e sabemos o quanto teremos de trabalhar para que vocês tenham, de fato, a educação pública por direito”, declarou a gestora, dirigindo-se aos estudantes indígenas.
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