Pesquisa e Inovação

Pesquisa do ICB identifica espécies que podem ajudar na recuperação da bacia do Rio Doce

Artigo também alerta para risco de homogeneização ambiental caso restauração das matas ciliares não seja feita de maneira adequada

Lama invadiu casas depois do rompimento da Barragem do Fundão
Lama invadiu casas depois do rompimento da Barragem do Fundão Foto: Antonio Cruz | Agência Brasil

Estudo desenvolvido na UFMG identificou espécies da vegetação nativa das margens do Rio Doce que são fundamentais para restaurar a diversidade do ambiente após o rompimento da barragem do Fundão, ocorrido em 2015, em Mariana. As espécies estão descritas no artigo Reference sites of threatened riverine atlantic forest in upper rio Doce watershed, publicado neste ano na revista Nation Conservation Research.

O trabalho foi desenvolvido no âmbito do Projeto Biochronos, coordenado pelo professor Geraldo Wilson Fernandes, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG. Os efeitos do desastre ambiental que atingiu a bacia do Rio Doce são investigados pelo grupo há quatro anos. 

Segundo João Carlos Figueiredo, doutorando em Biotecnologia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e um dos autores da pesquisa, o objetivo do artigo era averiguar as espécies e suas abundâncias na vegetação nativa ciliar de áreas preservadas no epicentro onde ocorreu o desastre. “Queríamos entender como essas espécies se comportavam em relação às características do solo, como o pH, a acidez e os nutrientes. Queríamos identificar como devem ser restauradas as áreas da bacia que foram impactadas pelo rompimento da barragem em 2015”, explica. 

Diversidade da bacia
Para a caracterização da vegetação local foi empregada a técnica de "fitossociologia", por meio da qual áreas de mata são selecionadas e todas as plantas são medidas, catalogadas e identificadas por especialistas botânicos. A análise da vegetação e a coleta de solo foram feitas em três distritos de Mariana: Santa Rita Durão, Monsenhor Horta e Camargos. Nos remanescentes florestais de referência (que não foram atingidos pela lama), a pesquisa identificou 174 espécies de árvores adultas e 189 espécies de plantas juvenis. “É uma região de alta diversidade florística da Mata Atlântica", afirma Figueiredo.

Analisando as pequenas plantas ainda jovens nas matas não afetadas pelo rompimento, foi possível identificar como a alta diversidade de espécies está intimamente relacionada à riqueza dos solos. Isso significa que a variação dos solos possibilita que muitas espécies diferentes de plantas possam coabitar na área.

Mata ciliar na bacia hidrográfica do alto Rio Doce, município de Mariana, distrito de Santa Rita Durão
Mata ciliar na bacia hidrográfica do alto Rio Doce, município de Mariana, distrito de Santa Rita Durão Foto: João Carlos Figueiredo

Restauração equivocada pode gerar outro desastre
Mesmo tão próximos, os trechos de mata ciliar avaliados pelos pesquisadores se mostraram muito diferentes, tanto em composição florestal como em características do solo. Como esses trechos compartilhavam poucas espécies entre si, o grupo concluiu que há alta heterogeneidade de espécies entre os locais, o que mostra que diversas práticas de restauração empregadas na bacia, que utilizam apenas um grupo de espécies para plantio, são um grave erro. 

O artigo explicita que propor uma solução única para as muitas matas ciliares que compõem a bacia do Rio Doce pode causar a homogeneização ambiental. “Assim, estudos como esse devem ser realizados em toda a bacia, a fim de estabelecer ecossistemas de referência que auxiliem a definir metas e monitorar o sucesso da restauração, principalmente nas florestas ribeirinhas", conclui Figueiredo.

A propósito, os riscos da homogeneização ambiental – fenômeno que tem escala planetária – são objeto de reflexão recorrente do INCT Centro de Conhecimento em Biodiversidade, coordenado pelo professor Geraldo Wilson Fernandes. "A restauração precisa considerar as características de cada área a ser restaurada e priorizar uma maior diversidade de espécies de plantas", alertou Fernandes em texto de opinião no Portal UFMG em que resume as conclusões de recente artigo publicado na revista Science.

Aumento da biodiversidade
O projeto Biochronos, do ICB, é desenvolvido pelo Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade (LEEB) da UFMG, em parceria com diversas instituições. A iniciativa tem o objetivo de avaliar e monitorar, espaço-temporalmente e por meio de metodologias sólidas e inovadoras, a evolução da paisagem, a saúde ambiental e os processos ecológicos que provocam o aumento da biodiversidade e o funcionamento das áreas afetadas pelos rejeitos da Barragem de Fundão, que se rompeu em 2015. 

A restauração ecológica da bacia do Rio Doce visa aumentar a biodiversidade e as  interações ecológicas de modo a aprimorar a integração da paisagem e o funcionamento do ecossistema. Por meio de tecnologias científicas, o grupo do projeto estabelece e descreve o funcionamento dos ecossistemas de referência em todos os níveis ecológicos e de sensoriamento remoto, a fim de entender as pressões sofridas pelas formações naturais e atuando em diferentes níveis ecológicos, como solo, fungos micorrízicos, espécies vegetais e macrofauna (polinizadores, herbívoros, detritívoros, decompositores e predadores).

Artigo: Reference sites of threatened riverine atlantic forest in upper Rio Doce watershed
Autores: João C.G. Figueiredo, Daniel Negreisos, Letícia Ramos, Dario Paiva, Yumi Oki, Wénita S. Justino, Rubens Santos, Ramiro Aguilar, Yule R.F. Nunes e G. Wilson Fernandes

Publicado na Nature Conservation Research e disponível on-line.

Com Comunicação LEEB ICB