Institucional

Pós-graduação brasileira conseguiu interiorizar-se, mas disparidades regionais persistem

Avaliação é da presidente da Capes, Denise Pires de Carvalho, que falou nesta quarta-feira no 40º Enprop

A reitora Sandra e a presidente da Capes, Denise, no Enprop
A reitora Sandra Goulart Almeida e a presidente da Capes, Denise Pires de Carvalho, no Enprop Foto: Jebs Lima | UFMG

A universidade surgiu tarde no Brasil, já no século 20; a pós-graduação, ainda mais tarde, apenas na década de 1960. E assim como a graduação, também muito centrada nas regiões Sul e Sudeste, com poucos programas em capitais de outras regiões. Em face desse cenário, o Brasil fez um significativo esforço nas últimas duas décadas para aumentar, espraiar e interiorizar as suas estruturas de graduação e de pós-graduação por suas regiões historicamente mais carentes desse tipo de investimento – Norte, Nordeste e Centro-Oeste. 

Apesar disso, as assimetrias nacionais, de modo geral, ainda hoje se mantêm. “Muito foi feito, mas ainda é pouco. O país ainda é muito desigual. Essas assimetrias precisam ser consertadas”, defendeu a professora Denise Pires de Carvalho, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em palestra ministrada na tarde desta quarta-feira, 13, no âmbito do 40º Encontro Nacional de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-graduação (Enprop).

Contudo, para fazê-lo, não basta simplesmente aumentar o número de programas de pós-graduação nas regiões menos atendidas. O problema é mais complexo, segundo a presidente da Capes. Além do investimento quantitativo, é preciso, também, modular e fortalecer estrategicamente esses programas – sejam os existentes, sejam os que serão criados – para que as pesquisas desenvolvidas neles visem criar soluções para os problemas do próprio território. “Universidades da região Norte, por exemplo, precisam estar envolvidas com os problemas da região Norte, que são completamente diferentes dos problemas da região Sul”, ela diz. “Devemos buscar reduzir as assimetrias não apenas em quantidade, mas também com qualidade, com foco no território”, disse a professora, que foi reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Denise:
Denise: assimetrias alcançam dimensões como raça e gêneroFoto: Jebs Lima | UFMG

Competição desigual
O objetivo dessa diretriz parece ser, por um lado, evitar que essas universidades historicamente menos favorecidas pelas iniquidades do assimétrico desenvolvimento brasileiro sejam levadas a continuar participando de uma competição desigual com as universidades historicamente mais desenvolvidas, como as do Sudeste. Ao mesmo tempo, o objetivo também parece ser o de possibilitar que a ciência produzida nesses programas de pós-graduação mais recentes retorne diretamente como desenvolvimento para suas próprias regiões, elas também mais carentes historicamente de investimento em desenvolvimento científico e tecnológico, se pensadas no amplo contexto nacional. Em suma, trata-se do mesmo esforço geral de se fazer a ciência e a educação colaborarem com a mitigação da grande chaga nacional, a injustiça social.

O combate às assimetrias na produção científica permeia as discussões do 40º Encontro Nacional de Pró-reitores de Pesquisa e Pós-graduação (Enprop), que está sendo realizado no Centro de Atividades Didáticas 2 (CAD 2) do campus Pampulha e segue até esta quinta-feira, com ampla programação. Ontem, dia 12, na abertura do evento, a diretora de Cooperação Institucional, Internacional e Inovação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Dalila Andrade de Oliveira, já havia tratado do mesmo tema na perspectiva do órgão em que atua.

A reitora Sandra Regina Goulart Almeida, que estava no México para reuniões do Espaço Latino-americano e Caribenho de Educação Superior (Enlaces), chegou ao Brasil a tempo de presidir a mesa em que Denise fez sua palestra. Em sua fala, Sandra aproveitou para situar o modo como a pós-graduação brasileira tem sido vista atualmente pelos países parceiros da América Latina. “Em todo lugar a que nós vamos, a pós-graduação brasileira é mencionada com muito respeito e deferência. O entendimento é de que o Brasil conseguiu o que nenhum outro país da América Latina conseguiu, que é um sistema robusto de pós-graduação. A gente deve isso muito às nossas várias agências de fomento – como a Capes, um patrimônio do nosso país, bem como o CNPq”, disse ela, dando início aos trabalhos da mesa.

Iniquidade na titulação
Em sua apresentação, Denise mobilizou uma série de informações objetivas para demonstrar, na prática, como a citada realidade de assimetrias e iniquidades atravessa a pós-graduação brasileira. Um exemplo dado pela presidente da Capes foi o número de doutores titulados em 2022 por cem mil habitantes. Enquanto o Distrito Federal e o Rio Grande do Sul titularam, respectivamente, 23,9 e 21,6 doutores, Rondônia, Roraima e Maranhão titularam 1,6, 1,3 e 1,2 cada, para ficar apenas nas discrepâncias mais paradigmáticas. A média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), considerada uma meta para o Brasil, é de 21,9 doutores titulados por cem mil habitantes.

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Sandra: Brasil construiu robusto sistema de pós-graduaçãoFoto: Jebs Lima | UFMG

Outra assimetria no campo da pós-graduação diz respeito ao destino das bolsas de pós-graduação concedidas a pesquisadores que estudam no exterior. No período 2018-2024, a região Sudeste ficou com 52% das bolsas que custeiam estudos em outros países, enquanto a região Norte recebeu apenas 2%. 

Ao mesmo tempo que expôs esses e outros dados, Denise destacou ser impossível apresentar números mais aprofundados das assimetrias internas dos programas de pós-graduação na realidade nacional, como as relacionadas a raça e gênero. Isso porque, ao contrário do que ocorre na graduação, o censo da pós-graduação brasileira nunca foi feito. A expectativa, disse a professora, é que o primeiro censo da pós-graduação brasileira seja realizado em 2025, o que possibilitará um conhecimento muito mais avançado do problema a ser atacado.

A despeito disso, a presidente da Capes adiantou que, de um modo ou de outro, o ataque ao problema terá necessariamente de passar pela interseccionalidade, uma vez que as discrepâncias se somam e se articulam quando se consideram diferentes variáveis implicadas (gênero, raça, renda etc.) para pensar a questão. “Do meu ponto de vista, é fundamental a interseccionalidade. Em minha apresentação, eu mostro, por exemplo, dados de que as mulheres ganham menos que os homens. Contudo, a mulher negra ganha ainda menos que as mulheres brancas. Há, portanto, um agravamento da iniquidade quando levamos em conta mais questões, como as de gênero e as étnico-raciais”, disse ela em rápida entrevista ao Portal UFMG minutos antes de sua palestra.

Alento
Em sua comunicação, Denise informou que os dados preliminares da Capes são de que a concessão de bolsas de pós-doutorado no Brasil, que vinha caindo desde 2017, voltará a subir quando o balanço de 2024 for fechado. A razão é a recente retomada do Programa Nacional de Pós-doutorado (PNPD). Outra boa notícia foi o reajuste no valor das bolsas de mestrado e doutorado, feito em 2022, que promoveu uma guinada no gráfico que apresenta o histórico dessa remuneração. 

De modo geral, o cenário apresentado na comunicação da presidente da Capes é de uma pós-graduação que adentra um período de esperanças, após o “longo inverno que nós vivemos”, como comentou a reitora reitora Sandra Goulart ao final da apresentação.

Atividades do Enprop seguem até quinta-feira, 14, no CAD 2
Atividades do Enprop seguem até quinta-feira, 14, no CAD 2 Foto: Jebs Lima | UFMG

Ewerton Martins Ribeiro