Pesquisa e Inovação

Queimadas na Amazônia: pesquisa aponta impacto em 90% das espécies de animais e plantas

Trabalho liderado pela Universidade do Arizona (EUA) com participação da UFMG levou em conta períodos de seca e medidas de fiscalização ambiental

Sobrevoo mostra focos de fogo em Trairão, no Pará, em 2020
Sobrevoo mostra focos de fogo em Trairão, no Pará, em 2020 Marizilda Cruppe/Amazônia Real

Um estudo com participação da UFMG indica que as queimadas já impactaram 90% das espécies de animais e plantas da Amazônia. Pesquisadores de diversos países, liderados pela Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, chegaram à conclusão após análise de cerca de 11.500 espécies de plantas e mais de 3 mil de animais vertebrados. Das que já eram ameaçadas de extinção, entre 70% e 85% tiveram grande parte de seus habitats naturais devastados pelo fogo. Foram investigados diferentes períodos de tempo, avaliados de acordo com a regulamentação e as medidas de fiscalização ambientais que vigoraram em cada um deles.

A pesquisa constatou que, entre 2016 e 2019, houve um relaxamento da fiscalização, o que levou à intensificação do fogo e do desmatamento. O estudo é descrito num artigo publicado neste mês pela revista Nature que, traduzido do inglês, é intitulado Como a desregulamentação, a seca e o aumento dos incêndios impactam a biodiversidade amazônica. Os resultados podem ser usados para aprimorar o entendimento da queda da biodiversidade em outros biomas brasileiros, como o Pantanal, e evidenciam a necessidade de um resgate da regulamentação e da fiscalização para a recuperação das áreas perdidas.

O professor de Ecologia, do Departamento de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG (ICB), Danilo Neves, é um dos autores do artigo e concedeu entrevista ao programa Conexões dessa quarta-feira, 22. O pesquisador explicou como foi feito o estudo, que se concentrou na análise de dados do período de 2001 a 2019. Segundo detalhou, a questão da seca era um ponto de atenção. Entre 2002 e 2008, os períodos de seca não foram tão intensos, levando em conta a média histórica, mas os registros de queimada foram muito expressivos.

A partir de 2009, o país passou a ter anos com menos chuvas, mas as queimadas diminuíram drasticamente, por causa de uma legislação mais rígida sobre o tema. “Em 2010 e 2011, o Brasil passou a assumir, inclusive, um protagonismo e foi muito elogiado nessa época pela redução do desmatamento em florestas tropicais, mais especificamente na Amazônia. Porém, tudo isso que vinha funcionando muito bem, e poderia ser melhorado a partir dali, começou a ser desmantelado a partir de 2016. Não foi apenas 2019, em 2017 a gente já viu um aumento muito grande de queimadas. Nosso trabalho vai até 2019, mas vimos que as queimadas continuaram em 2020 e 2021”, detalhou.

Sobre os resultados que mostram perda do habitat natural de cerca de 80% das espécies ameaçadas de extinção, o professor afirmou que esse prejuízo foi de 5% em alguns casos e de mais de 50% em outros, mas que qualquer número seria preocupante nesse cenário, uma vez que essas espécies já sobrevivem em poucas áreas.

Neves ainda comentou que há um consenso de que o ritmo atual de queimadas vai acabar colapsando os ecossistemas, mas defendeu que é possível recuperar as regiões desmatadas com políticas públicas de preservação e que ele sempre tem esperança nisso, destacando o fato de que entramos na década da restauração, instaurada pela Organização das Nações Unidas (ONU). “É importante trabalhar nas duas frentes: proteger o que ainda a gente tem e, ao mesmo tempo, aplicar  o máximo de recurso possível para restaurar as áreas que foram degradadas”, concluiu.

Ouça a entrevista completa pelo Soundcloud.

O artigo publicado na revista Nature completo, em inglês, pode ser acessado aqui.

Produção: Enaile Almeida, sob orientação de Hugo Rafael e Alessandra Dantas
Publicação: Alessandra Dantas