Historiador defende debate sobre representações de figuras do passado
Em entrevista à Rádio UFMG Educativa, o professor Douglas Attila Marcelino afirma que monumentos públicos devem abarcar uma visão plural da história
Em meio aos protestos contra o racismo desencadeados em vários lugares pela morte do afro-americano George Floyd por um policial branco nos Estados Unidos, a estátua de Edward Colston, um traficante de escravos do período colonial, foi derrubada e atirada em um rio, na cidade inglesa de Bristol, por manifestantes antirracistas. Outras estátuas e símbolos da opressão em diferentes lugares no mundo também foram destruídas ou derrubadas nos últimos dias. Na Bélgica, os moradores de Antuérpia removeram a estátua do rei Leopoldo II, lembrado sobretudo por ter colonizado o Congo Belga e exterminado milhões de congoleses nativos.
Monumentos em praça pública, em sua grande maioria, foram construídos como forma de homenagem a pessoas ou a eventos, conforme explicou o professor Douglas Attila Marcelino, do Departamento de História da UFMG, em entrevista ao programa Conexões, da Rádio UFMG Educativa. “Um monumento tem a função de fazer perdurar no tempo a memória de um personagem, por isso ele tem importância política fundamental”, explica o professor. Por isso, ele vê os movimentos de rediscussão dessas memórias públicas como legítimos e essenciais. “Temos de repensar o espaço público, para que tenhamos uma perspectiva mais democrática de representação de diferentes grupos”, defende o professor.
Marcelino afirma que o debate sobre os novos símbolos de representação é complexo. Para o professor, a pergunta essencial que devemos fazer não é quem estamos representando, mas como esses personagens estão representados. “Como representar a enorme violência que marcou a história brasileira? Do ponto de vista de implementação de uma política pública, esse é um debate que deve ser feito em várias etapas. Para que possamos produzir monumentos que não sejam substituídos daqui a 10 ou 15 anos, é preciso criar critérios estéticos que possibilitam fazer uma representação crítica do passado. Não é para substituir herói por herói, mas para se pensar em outras possibilidades”, defende o historiador.
No Brasil, uma lei de 2013 proíbe que ruas levem o nome de figuras que defendam ou sejam relacionadas com a escravidão. Alguns municípios do país também desenvolvem projetos para renomear ruas e espaços públicos que receberam nomes de figuras relacionadas ao período da ditadura militar. Para o professor Douglas Attila Marcelino, esse movimento tem ganhado força na última década, mas ainda precisa ser mais amplamente debatido na sociedade. “Essas discussões têm crescido, mas ainda estamos muito aquém nesse debate, pois temos uma relação muito indireta com os nossos patrimônios e com a memória pública”, explica o professor. “Discutir a memória pública é um debate urgente, porque, apesar de muitas pessoas fazerem distinções, as questões do campo simbólico andam lado a lado com as questões práticas em uma sociedade”, justifica.
Campo de disputas
Como reação aos movimentos que buscam rediscutir os patrimônios e monumentos públicos, uma parcela da sociedade tem manifestado o temor de que essas questões culminem em uma “reescrita do passado”. Segundo Marcelino, isso não seria problema algum. “Para o historiador, a história sempre é reescrita, ela não é fixa, porque se relaciona com interpretações e com os princípios éticos e políticos de um determinado presente. Portanto, nada mais natural que a gente rediscuta todas as formas de acesso ao passado”, pontua o professor.
Por essa razão, sempre existiram discussões a respeito das representações públicas de personagens históricos. “A memória é um campo de disputas. Portanto, não é novidade a existência de conflitos em busca de reivindicar uma representação diferente do passado. O que observamos agora é a demanda de grupos sub-representados na esfera pública que chegam à discussão”, constata Marcelino, em entrevista à Rádio UFMG Educativa.