Semana do Conhecimento abre atividades com alerta sobre a necessidade de trabalho em rede
Vanessa de Almeida, da UFMG, chamou atenção para o retrocesso do cumprimento dos ODS; Margareth Dalcomo, da Fiocruz, fez um balanço do combate à pandemia
O esforço de 193 países integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU) para o cumprimento da Agenda 2030 sofreu retrocesso em 54,4% das 169 metas estabelecidas para cumprimento dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Houve interrupção em políticas e ações, mudança ou redução orçamentária, perda de direitos sociais, ambientais, econômicos e políticos. E em 2021, nenhuma das metas apresentou avanço satisfatório.
Aumento da pobreza com a perda de renda, crescimento da violência doméstica contra as mulheres, interrupção na produção de alimentos, escolas no ensino remoto, dificuldades de acesso a água limpa para higienização e outros fins, atividades econômicas suspensas e alta densidade populacional nas comunidades que ampliam a exposição ao risco de contaminação pelo novo coronavírus “exigem dos parceiros, inclusive das instituições de ensino superior, novas formas de trabalho e monitoramento das políticas até aqui implementadas”.
A afirmação é da diretora de Avaliação e Fomento da Extensão da Pró-reitoria de Extensão, Vanessa de Almeida, que representa a UFMG no esforço coletivo para construção do Selo ODS para as Instituições de Ensino Superior Brasileiras. Ela foi uma das palestrantes na cerimônia de abertura da 30ª edição da Semana do Conhecimento UFMG, que teve início nesta segunda-feira, 25, e prossegue até sexta, 29 de outubro, com transmissão pelo canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) no Youtube.
Segundo Vanessa de Almeida, o "ambicioso plano mundial", cujos objetivos priorizam cinco principais áreas (pessoas, prosperidade, paz, parcerias e planeta) é complexo, e a transversalidade do conhecimento produzido nas universidades é fundamental para viabilizar avanços.
A professora mencionou dados compilados pelo Relatório Luz da Sociedade Civil Agenda 2030 para mostrar que a agenda 2030 não caminha a contento. Entre as 169 metas e 254 indicadores propostos para os ODS, 27 metas (16%) estão estagnadas, 21, ameaçadas (12,4%), 13, em progresso insuficiente (7%), e 15 não dispõem de informação atualizada. A América Latina e Caribe ocupam a última posição em relação ao cumprimento desses indicadores.
Desafios para UFMG
Entre as ações e políticas implementadas pela UFMG nesse esforço conjunto em prol dos ODS, a diretora da Pró-reitoria de Extensão destacou 914 atividades de extensão, conectadas com os 17 ODS, entre as 1.701 registradas pelo Sistema de Informação da Extensão (Siex). As atividades estão agrupadas em quatro redes: social, urbana/ambiental, econômica e governança.
Seguindo tendência observada em outras universidades, a UFMG dá pouco destaque para o ODS 1 (Erradicação da pobreza), com apenas três atividades registradas. Por outro lado, os ODS 3 (Saúde e bem-estar) e ODS 4 (Educação de qualidade) são os mais representados.
Na avaliação da professora, cabe à UFMG identificar essas lacunas e consolidar trabalho em rede, assim como dar continuidade às parcerias com o Observatório do Milênio, da Prefeitura de Belo Horizonte, e com o Movimento Minas 2030 e participar de editais, como o lançado com o Ministério Público do Trabalho, que fomentou 23 projetos de até R$ 100 mil, para atividades nos municípios afetados pelo rompimento das barragens de Mariana.
Sonho de futuro
Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Sidarta Ribeiro, é pela "revolução na educação", especialmente em países como o Brasil, que será possível construir um mundo com mais igualdade e compartilhamento dos saberes. O neurocientista defendeu uma “porosidade entre os saberes acadêmicos e tradicionais”, e o “resgate dos sonhos como perspectiva para um futuro mais inclusivo”.
Sidarta Ribeiro apresentou dados de suas pesquisas sobre a qualidade do sono e a importância dos sonhos como perspectiva para imaginação criativa de ferramentas e inovações pelos seres humanos. Ele salientou ainda que a humanidade "precisa abandonar o hábito ancestral da competição para, em vez disso, colaborar mais para um mundo melhor para todos".
Margarete Dalcomo, da Fiocruz, fez um apelo "para que se crie um novo voluntariado de qualidade e que se reconheça que a pobreza e a fome são motivos de vergonha em nosso país”.
Na sua fala, a médica fez um apanhado sobre a presença do novo Sars-COV 2 como mais uma zoonose resultante da falta de cuidado com o planeta. “O que estamos fazendo com nosso planeta, com nossa Amazônia? Se continuarmos desmatando desse jeito, teremos outra epidemia de coronavírus originária do Brasil, a exemplo do que ocorreu com a febre amarela urbana”, advertiu.
Redescobertas, descobertas e decepções
Dalcomo sumarizou as redescobertas, descobertas e decepções no controle e tratamento da covid-19 no Brasil e chamou a atenção para a gravidade da doença, que, desde os primeiros casos, não se mostrou como uma pneumonia atípica, mas como "uma doença longa e bifásica, que gera enorme resposta inflamatória em todos os órgãos do hospedeiro".
Ela destacou que as sequelas estão presentes em mais de 80% dos pacientes infectados. "Não se sabe se são temporárias, e elas vão desde a perda de cabelo e de condicionamento funcional até alterações de natureza psíquica e do humor. Portanto, a multidisciplinaridade é imprescindível para o controle da doença e acompanhamento dos pacientes desde sua internação até a reabilitação”, observa.
Segundo a pesquisadora, é de fundamental importância a não negação da gravidade da situação e o empenho dos governantes e parceiros privados na implementação de medidas de controle não farmacológicas, como barreiras sanitárias, cuidados higiênicos e distanciamento social, cuja taxa deve atingir ao menos 60% (o que ainda não ocorreu no país).
Outro dado preocupante, segundo Dalcomo, é a redução de 40% no número de diagnósticos de tuberculose, doença contagiosa que põe o Brasil na 19ª posição mundial em carga viral. Ela teme um salto no número de casos no próximo ano, impactando a pandemia de covid-19.
A pesquisadora da Fiocruz também falou sobre as "decepções" com os medicamentos já existentes que não são eficazes no combate à covid-19 e sobre as redescobertas, como as medidas farmacológicas e os medicamentos já existentes que ajudam a reduzir a mortalidade, como vem demonstrando estudos com o Rendesivir – "embora inacessível para a população brasileira, com custo de R$ 25 mil por tratamento".
"Temos algo extraordinário, que são as quatro plataformas vacinais, e aguardamos a nova promessa, um estudo do professor Jorge Kalil (da Universidade de São Paulo) com vírus inativado, em forma de spray, que traz expectativas inclusive para a população pediátrica”, comemora.
Homenagem e esperança
A apresentação dos corais integrantes do Núcleo Coral UFMG (Coral da Engenharia, Coral Vozes do Campus e Coral da Fale e Litterarium) homenageou as vítimas da covid-19 e trouxe mensagens de esperança e fé no futuro.
A mediação da mesa de abertura foi feita pelo diretor do Instituto de Estudos Transdisciplinares (IEAT), Estevam Las Casas. Em nome da reitora Sandra Regina Goulart Almeida e do vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira, o decano do Conselho Universitário, João Alberto de Almeida, deu boas-vindas à audiência do evento.