Sítio de Saluzinho, em Montes Claros, recebe visita dos filhos do líder camponês
Símbolo da luta pelo direito a terra, agricultor é homenageado por programa da UFMG
Espaço para o compartilhamento de saberes em agricultura, alimentação e conhecimento tradicional, o Programa Sítio de Saluzinho, no campus regional da UFMG em Montes Claros, recebeu na tarde da última terça-feira, 12, a visita dos agricultores Manoel e Daniel Gomes Ferreira, filhos de Salustiano Gomes Ferreira, que dá nome ao local.
Durante o encontro, o diretor do Instituto de Ciências Agrárias (ICA), Leonardo David Tuffi Santos, enfatizou que o programa alia pesquisa, ensino e extensão e realiza importante resgate histórico para o Norte de Minas, o estado e o país. “A essência é resgatar práticas da agricultura tradicional e familiar que, ao longo dos anos, o Brasil vem perdendo. E é muito importante trabalhar isso com as crianças, com a geração que vai formar o país no futuro”, destacou o diretor.
Manoel e Daniel, que vivem em Itacarambi, não conheciam o projeto nem as homenagens ao pai. “Ficamos sabendo pelas redes sociais que o projeto existia, mas nunca tínhamos vindo conhecer”, disse Daniel, que tem 51 anos. “Eu nunca imaginava que Saluzinho podia estar tão vivo assim na memória das pessoas, que tivesse uma homenagem a ele desse tamanho. A gente fica até sem saber o que falar, fica emocionado. Saluzinho era uma pessoa da roça, matuto. Ser lembrado dessa forma é muito bom”, enfatizou.
Como explicou a professora Flávia Galizoni, o nome foi escolhido em homenagem à bravura e à representatividade do camponês. “O projeto foi montado para ser um centro de memória, de referência e de conhecimento. Percebemos que o personagem Saluzinho agrega, ao mesmo tempo, agricultura familiar, luta pela terra, defesa da natureza e resistência dessa população, não só do Norte de Minas, mas de todo o Brasil para se manter na terra e produzir alimentos, frutos de uma enorme sabedoria”, comentou a professora.
Desde a sua implementação, em 2010, o programa já beneficiou cerca de seis mil crianças da rede pública de ensino do município, com o envolvimento de mais de 165 alunos de graduação, na oferta de 769 oficinas.
O sítio
O projeto é realizado em uma área de dois hectares dentro do campus, na qual agricultores, professores, alunos e técnicos da UFMG trabalham juntos, ministrando oficinas para estudantes do ensino fundamental da rede pública de ensino.
Durante as oficinas, as crianças passam parte do dia com agricultoras e agricultores tradicionais. Um dos coordenadores da iniciativa, o professor Áureo Eduardo Magalhães Ribeiro explica que o Programa é uma oportunidade de convívio entre as crianças e agricultores maduros e experientes, "para aprender sobre suas raízes culturais, tradicionais, identitárias e alimentares".
Para o professor, o sitio é uma das formas de a UFMG dialogar com Montes Claros e com o Norte de Minas. “É uma janela que a Universidade abre para uma conversa com as comunidades e com os monitores voluntários", além de complementar o currículo das escolas.
O Programa é coordenado por uma equipe de professores do ICA, e tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
Sertão rebelde
A visita foi parte do evento O Sertão rebelde: impactos socioambientais da ditadura civil-militar no Norte de Minas – o caso de Dona Dúlcia e Saluzinho, realizado pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
A mediação entre a UFMG e os filhos de Saluzinho foi feita pelo pesquisador Carlos Alberto Dayrell, doutorando da Unimontes e colaborador do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas. O contato foi feito quando da constitução da Comissão Memória e Verdade Grande Sertão, que busca o reconhecimento e a reparação às pessoas que lutaram na época da ditadura e sofreram prejuízos em razão disso.
“No meu doutorado, levantei nomes de pessoas que tiveram uma contribuição histórica em termos de resistência social aqui no Norte de Minas, e Saluzinho foi uma delas”, disse o pesquisador. Em entrevistas mediadas por historiadores, estão sendo reunidas informações orais e documentais para relatório da região que está sendo identificada por ‘Grande Sertão’.
Segundo o pesquisador, a região foi prejudicada social e ecologicamente pelo período da ditadura militar. “A grande maioria dos projetos que mudaram a paisagem do Norte de Minas e provocaram a desestruturação dos sistemas tradicionais têm origem naquela época de limitação da democracia”, enfatiza.
Durante o evento, o filho mais velho de Saluzinho, Manoel, relembrou as dificuldades que a família passou no período e defendeu o pai: “Quando ele ficou preso, a gente passou muita dificuldade. Lá que começou tudo. A gente tinha muito problema financeiro e psicológico também. Saluzinho era um homem direito, que lutou em cima da sua razão e a família de Saluzinho também é um povo muito trabalhador e muito direito, eu creio que serve de exemplo para muita gente”.