Institucional

Stock Car na UFMG renova preocupação histórica com impactos de eventos no entorno do campus

Construção de autódromo nas imediações do Mineirão foi aventada nos anos 1980; proposta acabou descartada pela própria administradora do estádio por ser ‘inviável e fora de propósito’

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Trecho da esplanada do Mineirão que faz limite com o Centro Esportivo Universitário (à direita), Escola de Veterinária e Faculdade de Farmácia (ao fundo) Imagem: TV UFMG

A realização, em agosto próximo, de uma etapa da Stock Car nas imediações do campus Pampulha reacendeu uma antiga preocupação da UFMG com os impactos que eventos do gênero podem provocar nas atividades acadêmicas, na mobilidade, no ecossistema e no bem-estar animal.

Na segunda metade dos anos 1980, as direções do Instituto de Ciências Biológicas e da Escola de Veterinária alertaram a Reitoria da UFMG sobre os efeitos da eventual construção de um autódromo para corridas de kart no entorno do Mineirão. O empreendimento, segundo os professores Lair Aguillar Rennó, que dirigia o ICB, e Paulo Roberto Carneiro, então diretor da Escola de Veterinária, era considerado extremamente prejudicial aos interesses da Universidade, já que a poluição sonora alcançaria níveis insuportáveis.

A proposta foi descartada pela própria Ademg, administradora do Mineirão à época. Em ofício encaminhado ao então reitor Cid Velloso, em 7 de março de 1988, o presidente da autarquia, jornalista Oswaldo Nobre, depois de registrar o recebimento das correspondências dos diretores do ICB e da Escola de Veterinária e a visita do professor Leógenes Horácio Pereira, que presidia a comissão de planejamento do Biotério da UFMG, informou que a corridas de kart seriam transferidas para outro local. “A Diretoria da Ademg tranquiliza os ilustres professores dessa Universidade no que tange à construção de um autódromo. O local escolhido é totalmente inviável e fora de propósito por várias razões, inclusive de segurança”, destacou Nobre.

Ao analisar esse documento, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida observa uma clara diferença no tratamento dado hoje ao assunto pelo poder público – no caso a Prefeitura – com o dispensado pelo governo de Minas, à época comandado por Newton Cardoso. “Em 1988, a UFMG foi ouvida e teve suas ponderações acolhidas pela administração estadual. Isso, infelizmente, não acontece hoje. O processo da Stock Car ocorre à revelia da Universidade e da própria comunidade da Pampulha, que serão duramente afetadas pela corrida”, afirma a reitora.

Cuidado com as árvores
A cooperação entre a UFMG e o governo de Minas em relação a assuntos afeitos ao Mineirão remonta a um período ainda mais distante. Em ofício enviado ao então governador Rondon Pacheco, em 29 de setembro de 1972, o reitor Marcelo de Vasconcellos Coelho formalizou a concordância da UFMG com os termos do convênio que seria celebrado logo depois com o governo de Minas para a construção do Palácio dos Esportes de Minas Gerais, o atual Ginásio Mineirinho. Ao avalizar a obra, Marcelo Coelho sugeriu que Rondon Pacheco se atentasse para as árvores ali existentes. “É uma área toda arborizada, devendo, portanto, ser recomendado o maior cuidado para que as árvores ali existentes sejam preservadas, utilizando-se a área essencialmente necessária”. E acrescentou: “Agindo-se com a prudência recomendada, evitar-se-ia a distribuição do bosque já formado, no que estaríamos colaborando com as campanhas do governo, no sentido do reflorestamento, e da Prefeitura, no sentido da humanização da cidade, com plantio e organização dos jardins”.

Ao fim da mensagem, Marcelo Coelho ainda ofereceu os serviços do agrônomo Camilo de Assis Fonseca Filho, então responsável pela gestão das áreas verdes do campus Pampulha.

Mapa do Mineirão mostra as duas esplanadas: a Sul, próxima à UFMG, entre as avenidas Oscar Paschoal e Carlos Luz, e a Norte, no entorno da Avenida Antônio Abrahão Caram, onde é realizada a maioria dos eventos fora do estádio
Mapa do Mineirão mostra as duas esplanadas: a Sul, próxima à UFMG, entre as avenidas Coronel Oscar Paschoal e Carlos Luz, e a Norte, no entorno da Avenida Antônio Abrahão Caram, onde é realizada a maioria dos eventos fora do estádio Imagem: site do Mineirão

Em 2012, comissão analisou impactos da reforma do Mineirão

A reforma do estádio Mineirão com vistas à Copa do Mundo de 2014 foi alvo dos trabalhos de comissão instituída no início de 2012 pelo então reitor Clélio Campolina Diniz. O grupo, formado pelos professores Márcio Baptista, da Escola de Engenharia, José Nagib Cotrim Árabe, do ICEx, Maurício Campomori, da Escola de Arquitetura, e José Aurélio Bergman, da Escola de Veterinária, fez uma análise da situação fundiária do complexo Mineirão-Mineirinho, construído em terreno da UFMG, e analisou os impactos da nova configuração do estádio.

Um dos aspectos que mereceram a análise da comissão foi o potencial de realização de grandes eventos na esplanada do estádio. Conformação topográfica em leve declive e constituída de grandes superfícies livres, a esplanada tem capacidade para receber até 80 mil pessoas. Segundo o relatório final da comissão, as atividades no interior do estádio não representariam “um incremento nos impactos no cotidiano da UFMG”. Entretanto, eventos de grande porte na esplanada foram classificados pela comissão como “incompatíveis com as atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade, tendo em vista os níveis de ruídos potencialmente gerados.

Depois da inauguração do ‘novo’ Mineirão, em 21 dezembro de 2012, a realização de eventos na esplanada tem sido frequente, mas em áreas mais distantes do campus. A exceção foi exatamente o primeiro show, da banda mineira Jota Quest, ocorrido na esplanada Sul, defronte à Escola de Veterinária e à Faculdade de Farmácia. “Foi horrível, ensurdecedor”, recorda-se a vice-diretora da Escola de Veterinária, Eliane Gonçalves Melo. Houve uma reclamação formal da UFMG, e os shows passaram a ocorrer no lado oposto, a esplanada Norte, nas imediações da Avenida Antônio Abrahão Caram, onde os impactos para as atividades da Unidade são menores.

Com o circuito da Stock Car sendo montado na “porta” da UFMG, os temores do passado voltam a assombrar a comunidade da Escola de Veterinária. De acordo com relatório de impactos produzidos pela unidade, essa modalidade de esporte automobilístico gera ruídos de grande intensidade, que chegam a ultrapassar 110 decibéis – como a prova reúne 31 veículos emitindo esse barulho ao mesmo tempo, a poluição sonora pode chegar a níveis insustentáveis. "Em alguns eventos de emissão sonora muito inferior, ocorridos no entorno da arena do Mineirão, o som emitido chega estremecer os vidros e a estrutura física do prédio", informa um trecho do relatório. 

A preocupação da Universidade com o barulho e com outros impactos provocados por eventos é tamanha que a Reitoria, depois de ampla discussão com o Conselho Universitário, decidiu suspender, em maio de 2022, por tempo indeterminado, a realização de festas e calouradas nos campi.