Uma sociedade sem medo da matemática tem mais cidadania, diz Artur Avila
Atual detentor da Medalha Fields abriu o ciclo de conferências dos 90 anos
A matemática deve atingir toda a população, e seu valor deve ser reconhecido pela sociedade, afirmou, na tarde de hoje, em conferência no campus Pampulha, o matemático Artur Avila, convidado para abrir a série de conferências UFMG, 90 anos. “Um povo que não tem medo da matemática está mais bem preparado não apenas para o mercado de trabalho, mas também para a atuação cidadã”, disse ele, acrescentando que vencer a aversão tão comum à matemática ajuda na análise crítica de informações recebidas de políticos e da mídia, assim como na compreensão de dados nos mais diversos campos profissionais.
Avila salientou que a matemática vem evoluindo no Brasil, como resultado de um trabalho de longo prazo, e lembrou que a realização do Congresso Internacional de Matemática no Rio de Janeiro, em 2018, é indicador da estatura atual do Brasil, nesse campo, no cenário internacional.
“Esse sucesso numa ponta, a da pesquisa mais avançada, não corresponde aos problemas que enfrentamos no ensino fundamental. Mas o Brasil não está sozinho: a França, que é muito bem-sucedida na matemática, proporcionalmente ao seu tamanho, também acusa dificuldades na formação básica”, comentou o pesquisador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), de Paris.
Atual detentor da Medalha Fields, a mais importante de sua área, que recebeu em 2014, no último congresso mundial, Artur Avila foi apresentado pelo professor Bernardo Lima, do Departamento de Matemática da UFMG. Ele mencionou premiações em olimpíadas nacionais e internacionais, distinções diversas e a precocidade do pesquisador, que iniciou o mestrado ainda antes de concluir o ensino médio e terminou graduação e doutorado quase simultaneamente. Lima lembrou também que Avila foi orientado no Impa pelo professor Welington Melo, um dos responsáveis pela consolidação da pós-graduação em matemática da UFMG. “Embora especialista em sistemas dinâmicos, Artur tem contribuições em diversas áreas”, elogiou.
Decisão certa
Em palestra orientada apenas por tópicos registrados no papel, Artur Avila deu breve panorama da história da matemática no Brasil, citando a vinda de alguns pesquisadores estrangeiros à USP, na década de 30, ainda com impacto limitado, e a criação do Impa, nos anos 1950. “Pouco depois, nomes, como Mauricio Peixoto, que terminavam o doutorado no exterior, decidiram voltar e fazer carreira por aqui”, comentou, destacando o papel de Jacob Palis, que regressou da formação em Berkeley e viria a ter atuação destacada à frente do Impa. O país ganhava massa crítica, segundo ele. Avila lembrou que ele mesmo já se formou no Brasil, orientado por Welington Melo, também formado aqui, e afirmou ter convicção de que tomou a decisão certa quando resolveu estudar no país, em vez de partir para Paris ou para a costa leste dos Estados Unidos.
O Instituto teve papel decisivo na carreira de Artur Avila desde antes do mestrado, por meio do apoio às olimpíadas. “Eu gostava de matemática já muito novo, lia muito, obras boas e ruins, mas não tinha noção que podia se tornar uma profissão”, ele contou. “Soube das olimpíadas pouco antes da prova, fiz e gostei. Provei um sabor diferente, não apenas com relação ao conteúdo, mas por causa da exigência da criatividade. Serviu de estímulo à minha dedicação, e aí descobri o Impa.”
Na visão de Avila, competições como as olimpíadas de matemática têm potencial de atrair público e motivar os estudantes. “É uma forma barata e eficiente de capturar talentos. Não é a
solução para os problemas da educação no país, mas ajuda a identificar futuros pesquisadores e professores”, disse o Cavaleiro da Legião de Honra da França.
Acreditar na continuidade
Ele defende que o Brasil deve receber mais pesquisadores de alto nível, que trabalham em novas áreas da matemática, e acha que não há por que recear a fuga de cérebros. “Eles vão e trazem coisas novas, desde que se valorize essa produção”, afirmou. “Esses pesquisadores precisam ter motivos para acreditar no desenvolvimento continuado da ciência no Brasil. Como atrair para a carreira científica pessoas que terão que se dedicar muito, enfrentar competição forte, sob o risco de cortes repentinos de investimentos?”
Preocupado com o bloqueio dos jovens diante da matemática e com as dificuldades do ensino básico – “é preciso aguçar a curiosidade em vez de solicitar que se apliquem as mesmas fórmulas centenas de vezes” –, Artur Avila disse considerar que a conquista da Medalha Fields funcionou para mostrar a um público maior que existe pesquisa em matemática. “Tive oportunidade de conversar com a mídia e falar do meu trabalho. É importante combater a tendência de alguns jornalistas de reforçar estereótipos sobre a matemática e os matemáticos”, afirmou.
Sobre métodos e rotina de trabalho, Avila revelou que há muitas maneiras diferentes de abordar os problemas e tipos diversos de pesquisadores. “Alguns problemas levam anos para ser resolvidos. Sobretudo quando não sei por onde começar, deixo as ideias amadurecerem, converso com outros pesquisadores e penso em problemas passados. Estou sempre resolvendo vários problemas ao mesmo tempo. Troco um pelo outro, procuro outras questões daquela área ou de áreas distantes. Daí, muitas vezes, surge o caminho.”