Arte e Cultura

DAC investe em palcos virtuais e elege internet como objeto de reflexão crítica

Desafiada pela pandemia, Diretoria de Ação Cultural desenvolve estratégias para mitigar impactos financeiros na vida dos artistas da comunidade universitária

A obra 'Morrem tantos homens e eu aqui tão só', de Teresinha Soares, integra o acervo artístico da UFMG
A obra 'Morrem tantos homens e eu aqui tão só', de Teresinha Soares, integra o acervo artístico da UFMG, que será exposto em mostras virtuaisRaíssa Cesar / UFMG

O setor cultural da UFMG foi fortemente impactado pelo isolamento social imposto pela atual pandemia de Sars-CoV-2, uma vez que as ações presenciais, em tempos normais, costumam ser o carro-chefe da área na Universidade. “Só no ano de 2019, a Diretoria de Ação Cultural (DAC) e seus espaços culturais realizaram mais de 2,6 mil ações presenciais, alcançando um público de aproximadamente 170 mil pessoas”, exemplifica o professor Fernando Mencarelli, diretor de Ação Cultural da UFMG. Mas os tempos eram outros, apesar de tão recentes. O novo cenário que se desenhou rapidamente obrigou o setor a se reinventar. “O desafio de atuar no campo das artes e da cultura em geral, no contexto da pandemia e da pós-pandemia, está posto para todos nós”, afirma o diretor.

Mencarelli lembra que, mesmo antes da pandemia, o setor cultural já vinha passando “por um processo agressivo de desmonte”, com grande precarização. “Além desse contexto anterior, ainda sabemos que o retorno das artes e das atividades culturais será um dos mais lentos: os países em que já se iniciam os movimentos de reabertura das atividades estão enfrentando de forma imediata essas questões. Esse é um desafio que precisaremos e vamos enfrentar por meio de fóruns de debate”, afirma, sinalizando o interesse de envolver nas conversas todos os atores do processo de produção cultural na Universidade.

Na avaliação de Mencarelli, paralelamente às ações de cunho objetivo, uma demanda que se põe para o setor cultural da UFMG é a de participar ativamente da reinvenção que precisará ser feita dos modos de ser e viver. “As bases para a reconstrução das nossas sociedades está na transformação dos valores culturais”, introduz o diretor. “Basta vermos a importância das vozes indígenas neste momento”, exemplifica. “Nesse sentido, precisamos estar atentos também a esse mergulho nas redes que estamos vivendo. Sabemos que podemos ser tragados por um mundo de controle que emerge da manipulação política e econômica do Big Data”, alerta.

Mencarelli:
Mencarelli: reinvenção dos modos de ser e viverRaphaella Dias / UFMG

Reestruturação organizacional
Com o isolamento social, o trabalho remoto foi implementado em todos os setores da Diretoria de Ação Cultural da UFMG e de seus espaços culturais vinculados, com equipes reduzidas atuando no trabalho presencial essencial, em sistema de rodízio. “Ainda que a maior parte da jornada desses servidores seja remota, foi criado um regime flexibilizado excepcional de até seis horas, em sistema de revezamento, para servidores técnicos consultados sobre essa possibilidade, visando à cobertura de atividades que garantam a manutenção adequada dos bens patrimoniais, incluindo supervisão de prédios, acervos e equipamentos técnicos”, explica Mencarelli. Estagiários e bolsistas também seguem trabalhando remotamente.

“A nova forma de trabalho representa um grande desafio de adaptação. Estabelecemos redes de contato, garantimos os acessos aos sistemas e processos e implementamos o atendimento telefônico dos números institucionais de forma remota. Desde o estabelecimento do trabalho a distância, todas as equipes estão integradas e usando os meios digitais disponíveis”, conta o diretor. “Nós nos adaptamos, e os processos de trabalho seguem sendo realizados nesse novo cenário, o que tem permitido dar continuidade aos projetos em andamento e implementar alguns novos, adequados ao contexto atual de excepcionalidade", afirma o diretor.

Ilustração que compõe a proposta de Sergio Augusto Medeiros, doutorando em Artes pela UFMG. Ele pretende criar um website para documentar e investigar, em conteúdos de mídia, as aproximações entre a ficção científica e a pandemia de Covid-19
Ilustração que compõe proposta de Sergio Augusto Medeiros, doutorando em Artes pela UFMG. Ele pretende criar um website para documentar e investigar, em conteúdos de mídia, as aproximações entre a ficção científica e a pandemia de Covid-19 Acervo do autor

De início, a DAC criou o seu canal no Youtube, para o qual tem produzido conteúdos regulares. “Nele, entre outras coisas, estamos divulgando a série de espetáculos especialmente criados pela DAC para o projeto Circuito Cultural on-line. A primeira série de espetáculos está sendo realizada com jovens artistas mineiros”, conta. Além de produções da própria DAC e de seus espaços culturais, o canal também veiculará matérias da TV UFMG sobre os projetos da diretoria e documentos audiovisuais de parceiros. Ele também remete aos canais dos espaços culturais da UFMG: Conservatório, Centro CulturalEspaço do Conhecimento e Campus Cultural UFMG em Tiradentes.

Bolsas para estudantes
Fernando Mencarelli recorre a um estudo sobre a economia da cultura recentemente divulgado por pesquisadores da UFMG para defender a necessidade de proteção aos trabalhadores do setor. A nota técnica revela que 73,2 dos profissionais da área são autônomos e, por isso, estão desassistidos neste período de paralisação das atividades presenciais. “É necessário incluir os trabalhadores da cultura nos programas emergenciais em implementação e buscar políticas públicas de incentivo. As artes e a cultura estão sendo e serão afetadas de forma intensa”, alerta o professor.

Para contribuir com a redução desses impactos, a Diretoria de Ação Cultural, em parceria com Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), lançou o Programa de Fomento Cultural. Sua primeira ação foi a oferta da Bolsa de Fomento à Criação UFMG/Estudantes, que apoia financeiramente universitários prejudicados pela pandemia. Por meio de edital, foram concedidas 30 bolsas de R$ 900 para projetos de obras artísticas, literárias ou ensaísticas focadas nas implicações culturais relacionadas à pandemia. A comunidade discente da UFMG inscreveu 542 propostas. Foram selecionados 20 projetos de graduandos e 10 de pós-graduandos.

“Recebemos propostas não somente das artes, mas também de áreas como ciências biológicas, física, matemática, medicina, filosofia, letras e engenharia”, detalha Mônica Ribeiro, diretora adjunta de Ação Cultural. “Essa diversidade demonstra que a cultura é compreendida pelos discentes da UFMG em sua dimensão expandida, ou seja, além da arte e saberes da tradição. O conjunto das propostas reitera a noção de cultura como produção de conhecimento e não apenas entretenimento”, afirma. Os trabalhos selecionados para a bolsa deverão ser executados ainda neste ano.

Rafael Ventura foi um dos artistas que se apresentaram no Circuito Cultural UFMG
Rafael Ventura foi um dos artistas que se apresentaram no Circuito Cultural UFMG Reprodução / YouTube DAC

O que vem pela frente
Se o trabalho remoto tem, por um lado, possibilitado à DAC avançar em projetos estruturantes nas áreas de patrimônio, políticas, formação e difusão cultural, por outro já há uma série de projetos desenhados para serem postos em cena nesta nova realidade virtual experimentada pela Universidade e pelo mundo.

Uma dessas iniciativas é o programa Culturas em pensamento: vozes da UFMG e convidados, que está sendo criado para o canal da DAC no YouTube. A ideia é apresentar, com base em um olhar transversal articulado em rede, reflexões de pensadores da atualidade sobre temas culturais diversos. “Trabalharemos com entrevistas com pesquisadores da UFMG. A duração das abordagens será variável, e haverá sempre mais de um entrevistado”, explica Mencarelli.

Também está sendo implementando um projeto denominado Políticas de cultura para a juventude e coletivos da Zona Cultural da Praça da Estação, adianta o diretor. Serão oferecidas atividades gratuitas – espetáculos, oficinas, rodas de conversa, aulas abertas, exposições e residências –, com o apoio de instituições públicas parceiras da UFMG e dos movimentos sociais e coletivos de jovens que atuam no local.

Atividades que foram adiadas em razão da pandemia, como o Fórum de Mulheres e a Feira de Artesanato do Jequitinhonha, estão sendo reorganizadas. A DAC tem participado, junto com a Pró-reitoria de Extensão (Proex), da elaboração da Proposta de diagnóstico do artesanato brasileiro, em atendimento a uma solicitação feita à UFMG pela Coordenação Geral de Empreendedorismo e Artesanato do Ministério da Economia.

Além disso, estão sendo elaboradas exposições virtuais do Acervo Artístico UFMG e o lançamento de série nas redes sociais em que serão apresentadas as suas principais obras. Até o fim de maio, centenas dessas obras poderão ser apreciadas virtualmente, junto com a biografia de seus autores. “Os festivais de Inverno e Verão também deverão ter novos formatos, adaptados à nossa nova realidade”, informa Fernando Mencarelli.

Principais ações dos espaços culturais

Com a suspensão das atividades presenciais nos espaços culturais da UFMG, suas equipes têm atuado em iniciativas estruturantes e buscado novas formas de interagir com os públicos por meio de suas redes sociais. Todos têm perfis no Instagram, no Facebook e no YouTube.

No Centro Cultural, por exemplo, destacam-se os projetos Cine Clássicos Quarentena, de curadoria de filmes consagrados disponíveis na internet, e Arte revista, que reúne vídeos com resumos das produções artísticas e culturais desenvolvidas nos últimos anos. Além disso, terão início em junho as Aulas abertas, com atividades on-line conduzidas por artistas e professores da casa.

No Espaço do Conhecimento UFMG, foi criado um ambiente virtual com diversas atividades, como a Gincana do conhecimento e o Clube do livro Guimarães Rosa, entre outras. Já o campus Cultural UFMG em Tiradentes tem atuado, sobretudo, no compartilhamento de entrevistas e exposições virtuais por meio do seu IGTV.

O Conservatório tem trabalhado com seu acervo de memória: os concertos realizados nos últimos dois anos estão sendo publicados no canal, além de vídeos com a história do espaço.

[Esta é a nona matéria da série sobre as ações desenvolvidas por pró-reitorias e diretorias em meio à suspensão das atividades presenciais provocada pela pandemia do coronavírus. Nos próximos dias, serão focalizadas a Diretoria de Relações Internacionais e a Pró-reitoria de Recursos Humanos. Já foram publicados relatos sobre as atividades das pró-reitorias de Pesquisa, de Pós-graduação, de Extensão, de Assuntos Estudantis, de Graduação, de Planejamento, de Administração e da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica.]

Ewerton Martins Ribeiro