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Eduardo Rios Neto assume IBGE com planos de conciliar tradição e novas tecnologias

Diretor de Pesquisas do Instituto desde 2019, professor da UFMG diz que vai lutar pela integralidade dos recursos para o próximo Censo, adiado dois anos seguidos

Rios Neto:
Rios Neto: "dados do IBGE sempre foram parte do meu cotidiano" Acervo pessoal

O professor Eduardo Luiz Gonçalves Rios Neto, aposentado da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, assume nesta terça-feira, 27 de abril, a presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diretor de Pesquisas do Instituto desde maio de 2019, ele substitui a economista Susana Cordeiro Guerra.

Economista e demógrafo, Eduardo Rios Neto chega ao novo cargo pouco depois da confirmação pelo Ministério da Economia de mais um adiamento – por falta de previsão no Orçamento deste ano – do Censo Demográfico, que deveria ter sido realizado em 2020. Nesta entrevista, Eduardo Rios Neto afirma que vai lutar pela integralidade dos recursos para a maior pesquisa do IBGE e concentrar esforços para conciliar a tradição do Instituto com a aplicação de novas tecnologias.

Quais são os principais planos para a sua gestão?
Pretendo dar continuidade ao trabalho da minha antecessora, Susana Cordeiro Guerra. Meu maior desafio é realizar o Censo Demográfico com qualidade e boa cobertura, agora sabendo que será, provavelmente, em 2022, a depender das circunstâncias sanitárias e orçamentárias. Vamos lutar pela integralidade do orçamento para o Censo 2022 e para mitigar as perdas operacionais em 2021. O segundo desafio é modernizar as atividades do IBGE em todas as suas funções finalísticas, com o uso de registros administrativos, novas tecnologias para analisar grandes bases de dados (big data) e aplicações de inteligência artificial. O terceiro é combinar a inovação tecnológica com a tradição do IBGE, caracterizada por vasta rede de coleta espalhada no território brasileiro, por intermédio de um processo de escuta e parceria com nossos servidores, os famosos ibgeanos

Qual é a importância do Censo, de modo geral e, especialmente, diante do quadro de pandemia?
O Censo é a única pesquisa que coleta informações no nível municipal. Por isso, ele precisa ser realizado a cada dez anos. Há, inclusive, uma lei que determina esse intervalo. Além do seu papel no planejamento das políticas municipais, o Censo é base para o mecanismo de distribuição dos recursos municipais (FPM) e estaduais (FPE). É também uma âncora para as projeções populacionais para o país e estados, assim como para as estimativas populacionais municipais. Com o adiamento do Censo, essa âncora fica cada vez mais distante. Desde 1920, ele só deixou de ser realizado em 1930 e foi adiado de 1990 para 1991. Em 2020, ele foi adiado por causa da pandemia e do estado de emergência. Além disso, o Censo serve para atualizar a amostra mestra que serve de base não só para as pesquisas amostrais do IBGE, mas também para todas as pesquisas domiciliares aleatórias no país.

No contexto da pandemia, o Censo servirá para atualizar a contagem populacional por sexo e idade, além dos arranjos domiciliares. Trata-se de fatores fundamentais para a determinação dos grupos de risco, inclusive para políticas de vacinação e outras medidas preventivas. Além disso, o Censo determina uma linha de base para a análise de impacto de medidas durante e após a pandemia.  

Como o cenário demográfico atual e as perspectivas ou tendências demográficas no Brasil deverão determinar as preocupações e ações do IBGE nos próximos anos?
O cenário demográfico atual é de envelhecimento populacional e queda da fecundidade abaixo do nível de reposição, o nível que manteria a população em crescimento zero no longo prazo. A esse cenário juntam-se as disparidades regionais e sociais e, agora, o efeito da pandemia. No caso da pandemia, além do aumento imediato da taxa de mortalidade e queda da expectativa de vida, causado pelo número excessivo de óbitos, espera-se uma queda ainda maior na taxa de fecundidade. Além da tendência do envelhecimento populacional prevista anteriormente, a questão agora é saber por quanto tempo o aumento pandêmico da mortalidade e a queda pandêmica da fecundidade durarão. Ouso especular que o efeito da mortalidade será mais tópico e que o da fecundidade apresentará maior inércia. As futuras pesquisas domiciliares do IBGE, que dependem do Censo para atualizar seu plano amostral, captarão esses cenários, principalmente a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) e a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF). 

Como foi a experiência na diretoria do IBGE, e como o aprendizado desse período vai basear sua atuação na presidência?
Como economista e demógrafo, não há dúvida de que minha formação acadêmica e experiência como professor e pesquisador da UFMG por 35 anos ajudaram no exercício da diretoria. Contudo, minha experiência no IBGE nesses quase dois anos superou qualquer expectativa que eu tinha. A Diretoria de Pesquisas é gigantesca, com centenas de produtos e divulgações por ano. Não esperava uma diretoria tão complexa e só agora entendo por que o bordão “segundo o IBGE” está quase diariamente nos telejornais. Nesse sentido, acredito que ter passado por uma diretoria finalística e central deve facilitar a minha atuação na presidência. O maior desafio agora é integrar as estatísticas com a geografia, os mapas, a outra perna finalística do IBGE, e também com as atividades-meio (informática, administração e comunicação). Cabe mencionar também a Escola Nacional de Ciências Estatísticas, a face de ensino do IBGE, com cursos de graduação, mestrado e doutorado.

O que o senhor "descobriu" e o que confirmou sobre o IBGE, considerando sua relação histórica com o Instituto, na condição de demógrafo?
Minha relação com o IBGE tem mais de 40 anos, começando com a minha dissertação de mestrado em economia no Cedeplar/UFMG. Não só utilizei os dados do IBGE, como também tive uma bolsa do programa Abep (Associação Brasileira de População), com a Fundação Ford. Para receber a bolsa, fui entrevistado pelo professor Isaac Kerstenetzky, então presidente do Instituto. A partir de então, os dados do IBGE fizeram parte do meu cotidiano. No meu doutorado em demografia, nos anos 1980, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, combinei os microdados do Censo Demográfico com os do Censo Agropecuário, ambos de 1980. Para digitar os dados do Censo Agropecuário, cujos volumes impressos não podiam sair da biblioteca central, tive de alugar um microcomputador Compaq, que mais parecia uma máquina de costura do que um laptop. Durante mais de dois meses, fui diariamente à biblioteca, para digitar os dados na planilha Lotus 123. Mais recentemente, tive a honra de participar da Comissão Consultiva do Censo Demográfico de 2010. Entretanto, apenas quando me tornei diretor de Pesquisas, há quase dois anos, conheci, de fato, a grandeza e a complexidade da instituição e compreendi por que ela é um orgulho dos brasileiros. Tive, então, a certeza de que tomei a decisão correta ao aceitar cumprir essa missão, primeiro como diretor e agora como presidente do IBGE.

No Brasil e no exterior

Ph.D em Demografia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, com pós-doutorado pela Universidade do Texas-Austin, ambas nos Estados Unidos, Eduardo Rios Neto foi coordenador de curso e chefe de departamento, contribuindo, dessa forma, para a construção e consolidação do Programa de Pós-graduação em Demografia (nota 7 na Capes), reconhecido internacionalmente. Oito de seus orientandos foram agraciados pela agência, com prêmios como o Capes de Teses e menções honrosas. 

Foi Professor Tinker na Universidade do Texas em Austin, onde lecionou Avaliação de Políticas Públicas, e Distinguished Lemann Professor na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign.

Rios Neto presidiu a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) e a Comissão Nacional de População e Desenvolvimento (CNPD). Liderou inúmeras pesquisas institucionais aplicadas, a maioria demandadas pelo Governo Federal, e foi pioneiro na avaliação de políticas públicas no Brasil, com destaque para uma das primeiras avaliações aleatórias no país, do Programa Estadual de Qualificação (Planfor) em Minas Gerais, na década de 1990. Criou a linha de base para a Avaliação do Programa Bolsa Família, que ainda hoje serve para comparar o programa historicamente, e avaliou o programa Poupança Jovem, do Governo de Minas Gerais.

É, desde 2017, membro titular da Academia Brasileira de Ciências na área de ciências sociais e tem o Diploma da Ordem Nacional do Mérito Científico (Classe de Comendador, ciências sociais e humanas), conferido pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações.

Segundo o professor da Face e atual presidente do IBGE, três instituições são fundadoras em sua formação: o Colégio Estadual Governador Milton Campos, a UFMG e a Universidade da Califórnia, em Berkeley. "A UFMG é a mais marcante delas, minha alma mater. Foi ao mesmo tempo formadora e lócus do exercício de minha profissão como servidor, professor e pesquisador. Orgulho-me de, durante a minha experiência como professor, ter dado o máximo de minha capacidade em prol da nossa Universidade, que hoje está em júbilo pelo primeiro lugar em avaliação das universidades federais divulgada recentemente pelo Inep/MEC", disse Eduardo Rios Neto. 

Itamar Rigueira Jr.