Arte e Cultura

Em livro, professor confronta linguagens e contesta práticas historiográficas

Douglas Marcelino investiga elementos do cinema, da fotografia e da escrita histórica e sugere que a idealização do ser humano deve dar lugar ao questionamento

gfg
Obra problematiza as imagens criadas pelo historiador e desperta reflexão sobre seu papel ativoDivulgação

A metáfora do historiador como "fotógrafo do passado" é o pano de fundo para as discussões presentes no livro Historiador, fotógrafo da morte: a escrita da história a partir de cinco filmes (Fino Traço Editora), de autoria do professor Douglas Attila Marcelino, do Departamento de História da Fafich.

“Em uma época de vasto debate sobre a importância da historiografia, o livro quer valorizar o trabalho do historiador, mas imagens do passado construídas por esse profissional não podem ser fundamentadas em visões românticas ou redentoras”, define o autor.

De acordo com Douglas Marcelino, o historiador é sempre implicado sensivelmente quando escreve sobre o passado e é afetado por esse passado que ele constrói. “Ele não consegue, portanto, distanciar-se por completo”, enfatiza. Essa implicação de si próprio na narrativa, segundo o autor, “se vincula a demandas éticas e políticas, das quais os historiadores não podem fugir”.

Nesse sentido, o autor critica o teor apaziguador dos relatos que “apagam fissuras e favorecem a idealização do humano”. Segundo Douglas Marcelino, o historiador, ao abandonar as interpretações que “restauram o sujeito ou o sentido da existência”, impulsiona uma escrita “potencialmente fabricadora de imagens que perseguem e fazem pensar”.

Tais premissas são exploradas ao longo do exame de cinco filmes: Histórias que só existem quando lembradas (2011); O sal da terra (2014); Canções do segundo andar (2000)¸ Vocês, os vivos (2007) e Um pombo pousou num galho refletindo sobre a existência (2014).

Nesse último caso, diz o professor, a câmera filmadora é análoga à fotográfica, assim como o historiador se compara ao cineasta. “Os filmes foram escolhidos por tratarem de problemas bastante específicos, que podem ser sintetizados na metáfora do historiador como fotógrafo da morte”, explica.

O livro pode ser adquirido por R$ 65, no site da Fino Traço.

Dupla dimensão
Douglas Marcelino lembra que a escrita da história nunca se restringe ao que é fornecido pelas fontes – isso vale para o historiador e também para os críticos da historiografia. “O estudo no âmbito da Teoria da História e da História da Historiografia é um trabalho de complexificação das imagens do passado”, comenta.

Para o autor, sua obra é provocativa em “dupla dimensão”. Por um lado, ao problematizar as imagens que o historiador cria; por outro, ao despertar a reflexão sobre o papel ativo do historiador. “Acredito que a maior contribuição do livro esteja na visão da historiografia como forma, seus fundamentos poéticos, a filosofia do tempo implícita. O tema da morte, sobretudo por meio da comparação do fotógrafo com o cineasta, é relevante para isso”, argumenta.

A escrita da história é uma forma de lidar com a morte – e isso, segundo Douglas Marcelino, dialoga com os problemas da temporalidade e a dificuldade da sociedade em lidar com a passagem do tempo. “Basta ver, por exemplo, como tentamos a todo momento apagar as marcas do envelhecimento em nosso próprio corpo”, exemplifica. O livro chama a atenção, segundo o professor, para a relevância do tema da morte e da temporalidade para se pensar a historiografia.

Douglas Attila Marcelino é professor de Teoria da História e História da Historiografia na UFMG. É autor de O corpo da Nova República: funerais presidenciais, representação histórica e imaginário político (FGV, 2015) e Historiografia, morte e imaginário: estudos sobre racionalidades e sensibilidades políticas (Alameda, 2017).

Matheus Espíndola